quarta-feira, 26 de junho de 2019

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                                        Itinerario

Cerrar a puerta. Mirar por la barandilla. Pensar: una vez vi un globo aerostático desde ahí. Recorrer el patio de vecinos. Mirar de reojo sus ventanas. Intuir una vida en cada casa. Bajar los escalones. Uno a uno. Pensar que nieva demasiado para ir al Gran Bosque. Preguntarme dónde habrán ido a parar los búhos. Llegar al último escalón. Abrir la puerta del portal. Oír su portazo a madera humedecida. Caminar. Girar la esquina y ver el Hotel antiguo. La Gran Iglesia. La panadería. Girar la esquina de nuevo. Dejar caer el frío como pequeñas agujas sobre mi cara. Saludar a alguien. Saber que he olvidado una nueva palabra más algo parecido a una flor.

Desear decir, simplemente: hoy caminé, la vida está intacta.
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 Vilar, Marta López. El Gran Bosque. Valencia: Pre-Textos, 2019, p 50.
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terça-feira, 25 de junho de 2019

Marta López Vilar, Graça Pires e Victor Oliveira Mateus numa das deslocações da escritora espanhola a Lisboa, em 2017.
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                                              O Pequeno Pássaro


Era primavera. Olhava as árvores devorando o sol, depois da tempestade. Abria os olhos para ser essa luz perdida, para recordar que ao longe as flores ainda se vislumbravam. Muito ao longe. Por um instante. E por um instante um pequeno pássaro caiu-me aos pés. Caíra do seu ninho. Tremia e não podia voar. Creio que ainda não o sabia. Acolhi-o em minhas mãos. Dei-lhe aconchego. Perguntei-lhe se vinha desse lugar onde as flores se vislumbravam. Aproximei-o do meu rosto. Pequeno corpo como um caniço fustigado pela chuva. Disse-lhe que esse sol que eu conseguia ver o poderia curar. E aquele tremor assemelhou-se à ternura. Por um instante.   
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 Marta, López Vilar. El Gran Bosque. Valencia: Pre-Textos, 2019, p 23 (Tradução de Victor Oliveira Mateus).
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segunda-feira, 24 de junho de 2019


Aliás, o amor da rainha, de quem depressa se tornou amante, dava-lhe coragem para tudo. Ela apoiava-o agora com todo o seu poder, escondendo tão pouco o seu amor que, rapidamente, as línguas começavam a ouvir-se na corte de Copenhaga. O centro destes mexericos, que depressa se transformaram em falatórios, situava-se nos aposentos da rainha-mãe.
   Quase nunca se via Júlia Maria. Vivia retirada nos seus domínios(...) Praticamente senhor do Conselho, Sruensee (...) Quer fazer da monarquia dinamarquesa uma monarquia constitucional e, para isso, liberta os camponeses e tenta melhorar a sua condição de vida, pois não passavam de servos. Reforma a justiça. No dia 14 de Setembro de 1770, suprime a censura de livros (...) reforma o exército comandado por Rantzau e confia as finanças ao seu próprio irmão (...) Em seguida, suprime a tortura, cria asilos para crianças abandonadas (...)
   Alguns meses depois, Carolina Matilde dava à luz uma menina loira de olhos azuis... uma menina que tinha a testa demasiado alta, a boca demasiado bem desenhada para ser filha de Cristiano VII. Mas a jovem rainha não se preocupou (...) Foi a essa mesma hora, a meio da noite ainda negra, que Júlia Maria, seguida por Rantzau, entrou no quarto onde Cristiano VII dormia um sono agitado (...) Era bastante real aquela carta (...) A jovem rainha felicíssima, contente por ter uma filha do homem que amava, proclamava imprudentemente essa felicidade ao longo de uma vintena de linhas apaixonadas.
(...) Uma hora depois, a desgraçada Carolina Matilde era arrancada da sua cama, atirada para uma carruagem gradeada e levada a grande trote para a prisão, enquanto os seus aposentos eram vasculhados de cima abaixo. (...) As provas do adultério da rainha reunidas pelos conjurados eram demasiado evidentes. (...) A soberana deposta fora condenada à prisão perpétua na fortaleza de Kroenberg. Ou seja, a morrer rapidamente de frio e miséria. (...) Júlia Maria podia esfregar as mãos ao evocar as torturas que esperavam aquela que ela odiava. Mas esquecera uma coisa que, porém, não deixava de ter importância: a Inglaterra.
   Alguns dias após o veredicto, uma fragata inglesa, com as escotilhas abertas, os seus oitenta canhões em bateria e o pavilhão real a flutuar na ponta do mastro, entrava no porto de Copenhaga. Esta fragata transportava lorde Keith, ministro da Marinha, que vinha, em nome do rei Jorge III, exigir a libertação imediata de Carolina Matilde, princesa inglesa (...) Nem Júlia Maria nem Rantzau tinham dúvidas. Era preciso ceder sob pena de ver os canhões ingleses disparar sobre a cidade. E fizeram-no, de má vontade..
   Carolina Matilde e a sua filha (...) tomaram lugar a bordo da fragata (...) Com o orgulho britânico salvo, Jorge III não pretendia acolher na sua corte uma esposa culpada e foi para a costa de Hanôver, então possessão inglesa, que a fragata dirigiu o seu rumo (...) só mudara de prisão, ainda que o castelo de Celle fosse infinitamente mais confortável do  que Kroenberg. (...) Três anos depois, na madrugada de 10 de Maio de 1775, faleceu na sequência de uma doença súbita contraída quando ela própria tratava uma das suas criadas.
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 Benzoni, Juliette. Rainhas Trágicas. Lisboa: Edições 70, 2007, pp 287-294.
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As Rainhas Trágicas ( Les Reines Tragiques ) é um conjunto de dezoito narrações de cariz histórico, da autoria de Juliette Benzoni, em torno de figuras femininas, predominantemente europeias, que ocuparam os tronos de alguns estados europeus. Um escrita linear e simples, muitas vezes acentuando o que tem a ver com o tema do livro e não propriamente com aspetos principais das ditas rainhas, como no caso da história de Cristina da Suécia, onde se valoriza apenas o assassinato de Rinaldo Monaldeschi, passando apressadamente por cima da eventual interssexualidade da rainha, que tanta investigação tem suscitado, bem como pelo episódio da sua abdicação a favor de um primo, para poder vagabundear por diversos países europeus transportando atrás de si uma autêntica corte de sábios. Algumas histórias aparecem de modo bastante sintetizado - exemplo: toda a História de França que vai de Filipe, O Belo, até ao assassinato de Margarida de Borgonha aparece neste livro em 28 páginas, enquanto Maurice Druon no seu monumental Les Rois Maudits analisa minuciosamente o episódio em quase 400 páginas. Outras histórias são bastante convincentes como a de Leonor de Aquitânia, a fazer lembrar-nos o desempenho de Katharine Hepburn em The lion in winter The Anthony Harvey (1968), Apesar de se sobrevalorizar a História factual, por vezes os factores sociais, políticos e económicos são abordados com bastante rigor, aliás, neste livro o rigor nunca é descurado, daí que possa perfeitamente ser lido como introdução aos temas.
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domingo, 23 de junho de 2019

A primeira fase da poesia de Essénine decorre até 1916 (início de uma nova fase, a segunda!). É nesta primeira fase que o poeta desenvolve uma edenização da Rússia rural: sua paisagem, seus costumes, sua religiosidade.
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Je suis berger, mes palais
Les champs mouvants les dessinent;
Les pentes vertes résonnent
Du cri sourd des bécassines.

Jaune écume des nuages,
Dentelle au-dessus des bois...
Les pins dans l'air somnolent
Semblent murmurer pour moi.

La rosée des peupliers
Dans la pénombre m'éclaire.
Je suis berger, et les champs
Sont mes demeures princiêres.

Les vaches hochent la tête,
Leur langue m'est familière;
Les chênaies, l' encens des branches
Me convient à la rivière.

Loin du malhueur des humains,
Je dors dans un arbrisseau.
Je prie l' autre rougissante,
Je communie au ruisseau.
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(1914)
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Essénine, Serguei. L' Homme noir. Belval: Éditions Circé, 2005, p 47 ( Choix, présentation et traduction de Henri Abril).
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sábado, 22 de junho de 2019


               Houligan


La crotte des saules dans les prés,
Les balais de la plui la nettoient.
Rechache, vent, tes jonchées de feuilles,
Je suis un houligan comme toi.

Et j'aime que les fourrés épais,
Ausse lourds que les boeufs dans leur marche,
Souillent jusqu'aux genoux les hauts troncs
En râlant du ventre et du feuillage.

Le voilà bien, tout mon troupeux roux!
Qui mieux que moi pouvait le chanter?
Je vois des traces de pas humains
Que le crépuscule vient licher.

Ma Russir, ô ma Russie de bois!
Je suis ton seul héraut, ton seul chantre,
Et mes vers tristes comme des bêtes
Sont nourris de réséda, de menthe.

Fais luire, ô nuit, la cruche de lune,
Qu'un lait de bouleaux y coule enfin!
Avec ses bras en croix le cimetière
Semble vouloir étrangler quelqu'un.

L'effroi noire rôde sur les collines,
Versant au jardin un air brigand.
Mais pur bandit je le suis moi-même,
Et voleur de chevaux par le sang.

Qui n`a vu bouillonner dans la nuit
Une troupe d`ardents merisiers?
Cela m`irait, dans la steppe bleue,
D`être avec un gourdin, embusqué.

Ah, ma tête-buisson s`est fanée,
Dans la geôle chantante on m`enterre;
Au bagne des sentiments il faut
Faire tourner le meule des vers.

Mais ne crains rien pour mes chants, vent fou,
Recrache les feuilles calmement:
Malgré ce sobriquet de "poète",
Comme toi je reste un houligan.
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( 1920)
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 Essénine, Serguei. L' Homme noir. Belval: Les Éditions Circé, 2005, pp 129-131 (Choix, présentation et traduction de Henri Abril).
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Sergeï Essenine


Serguei Essénine (21/9/1895-28/12/1925) é juntamente com Brodsky, Akhmatova, Pasternak, Blok, Mandelstam, Maiakovkski e Tsvetaeva, um dos maiores poetas russos de todos os tempos. Em apenas quinze anos (1910-1925) escreveu toda a sua vasta e fabulosa obra literária. A sua vida social, política e afetiva foi igualmente voraz e cheia: tanto o podemos ver recitando os seus versos para a czarina Alexandra (nos últimos tempos do Império) como logo o veremos integrado no grupo dos socialistas revolucionários. A sua vida afetiva e social foi também recheada de escândalos, bebedeiras e detenções, que talvez tivesse o seu quê de vantajoso para a divulgação de si enquanto génio. Da grande quantidade de relacionamentos afetivos que teve, foram os mais importantes: Zinalda Raikh, a sua primeira mulher e mãe dos seus filhos; a grande Isadora Duncan, mais velha do que ele 18 anos e com quem viajou pela Europa e EUA: o poeta Anatoli Marienhof e Sophie Tolstoi, neta de Leon Tolstoi e sua última mulher. Estes relacionamentos nem sempre foram fáceis - exemplos: o divórcio com Isadora Duncan foi por correspondência; a relação mais duradoira que teve foi com o poeta Marienhof, que, contudo, não durou mais do que três anos e soçobrou no outono de 1923, apesar de ter dedicado ao seu par alguns dos seus poemas. O relacionamento de Essénine, com os seus escândalos, as suas bebedeiras, as suas rixas, tornaram-no incómodo para a nova Rússia comunista, acrescentando-se ainda o facto de ele não esconder o seu antissemitismo, quando se sabia já que um dos seus maiores amigos havia sido preso e imediatamente fuzilado por pertencer a um grupo fascista. No dia 28 de dezembro de 1925, algum tempo após ter regressado de um internamento de desintoxicação de alcoolismo.  Essénine é encontrado enforcado no seu quarto, a tese de suicídio de alguém tão incómodo é hoje contestada pela hipótese de assassinato na Rússia de Estaline, contudo, a 31 de dezembro são-lhe feitas grandiosas cerimónias fúnebres a expensas do governo e o corpo de Essénine foi deposto no cemitério de Vagankovo, em Moscovo. Da sua obra, geralmente dividida em quatro grandes fases, segue-se o poema Houligan  pertencente à 3ª fase, que engloba toda a produção que vai do imaginismo de 1919 até ao regresso da sua viagem ao ocidente em 1923. 
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quinta-feira, 20 de junho de 2019


                     RAFT, ETC.

No quiero llamar aún a este milagro de hoy
vago recuerdo; ni a este resistir, capacidad.

Quiero insistir en este día de enero
bajo este sol despistado que cierra
la jurisprudencia de lo humano.
Agradecer como agradece esa rama
que crece desde el cemento
creando una grieta de vida
donde sólo se esperaba grieta.

La ágil bendición de estar aquí sentado
tomando un café y leyendo a Alice Oswald
después de comprar unos tomates recién cortados.

Y desde aquí aceptar todo lo que venga.

Celebrar el justo descalabro de todas las cortezas.

O recibir el riesgo tranquilo
de volver acompañado a casa,
y compartir estos tomates
con un poco de aceite,
y amanecer así con alguien
que no se arrepienta de nada,
que por la mañana sólo se acuerde
de los tomates gloriosos del día anterior,
del aceite caríssimo que uso.
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 Partal, Alejandro Simón. La Fuerza Viva. Valencia: Editorial Pre-Textos, 2017, pp 21-22.
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quarta-feira, 19 de junho de 2019


      Consciência do Tremendo


Esta areia fervilhando
que nos separa do mar
desse mar não faz outra coisa,

nem faz de nós um propósito de mar.

A dor tende prà finitude:
exige limites.

Apenas o indemonstrável
depende d'um resultado.

Por isso, não existe mais certeza
que a daqueles que se separam
mal desponta a manhã  e enfrentam o dia
com a ressaca inicial dos que se aceitam
sem juízos, e assim se (con)formam.

São amantes porque são finitos
e colocam o coração no finito.

Sabem amar porque amam o concreto
e pousam suas mãos sobre o concreto,

tal como essas árvores que crescem e se confirmam
em plena areia fervente sem esperar a água próxima
nem sequer os mármores da rentabilidade,

fazendo assim do mar outra coisa, fazendo
de nós um prolongamento onde o mar se concretiza.

Aceitando-o
com as exaustas limitações
de quem verdadeiramente aceita.
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  Partal, Alejandro Simón. La Fuerza Viva. Valencia: Editorial Pre-Textos, 2017, pp 27-28 (Tradução de Victor Oliveira Mateus).
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segunda-feira, 17 de junho de 2019



Apresentação:
da Cintilações: Revista de Poesia, Ensaio e Crítica, Nº 3, 2019.
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em Braga:
dia 5 de julho, 17:30H, na Feira do Livro de Braga;
em Lisboa:
dia 13 de julho, 16:00H, na Livraria Férin.
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As referidas apresentações estarão a cargo, respetivamente do Prof. Cândido Oliveira Martins e do Prof. Ernesto Rodrigues.
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A Revista Cintilações, que entra agora no seu quarto ano, é uma publicação da Editora Labirinto coordenada por Victor Oliveira Mateus e por Maria João Cabrita. O presente número contará com as seguintes secções:
Poesia (poetas de Portugal, Espanha, Moçambique, Brasil, Itália, Roménia, República da Macedónia do Norte, Curdistão, Nicarágua, Costa Rica, Cuba, Equador, Peru, Colômbia);
Ensaio (ensaístas de Portugal e Espanha);
Prosa (contistas de Portugal e Brasil);
Caderno temático (autor de Portugal);
Crítica Literária (críticos de Portugal e Espanha);
Ensaio gráfico (pintores e escultores de Portugal e Espanha).
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Nota: toda a Revista é em Português, o que obriga sempre à existência de uma vasta equipa de tradutores, excetua-se contudo a Secção de Ensaio, a qual poderá eventualmente incluir estudos nas seguintes línguas: português, castelhano, galego, francês, inglês e italiano.
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terça-feira, 11 de junho de 2019



Quando eu morrer quero tuas mãos sobre os meus olhos:
que a luz e o trigo das tuas mãos amadas
passem uma vez mais sobre mim seu frescor:
sentir a suavidade que mudou meu destino.

Quero que vivas, que eu, a dormir, espero-te;
que teus ouvidos continuem a escutar o vento,
que cheires o aroma do mar que amamos juntos
e continues a pisar a areia que pisamos.

Quero que o que amo continue bem vivo
e a ti amei e cantei sobre todas as coisas,
por isso continua a florescer, florida,

para que alcances tudo o que o meu amor te ordena,
para que a minha sombra passeie em teu cabelo,
para que assim conheçam a razão do meu canto.
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  Neruda, Pablo. Antologia. Lisboa, Relógio D' Água Editores, 1998, p 385 (Tradução de José Bento).
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segunda-feira, 10 de junho de 2019


     Ode ao olor da lenha


Tarde, com as estrelas
entreabertas no frio
abri a porta.
                  O mar
galopava
na noite.

Qual mão
da casa escura
saiu o aroma
intenso
da lenha guardada,

O aroma era visível
como
se a árvore
estivesse viva.
Como se ainda palpitasse.

Visível
como um vestido.
Visível
como um ramo quebrado.

Andei
dentro
da casa
rodeado
por aquela balsâmica
escuridão.

Fora
as pontas
do céu cintilavam
como pedras magnéticas
e o olor da lenha
tocava-me
o coração
como uns dedos,
como um jasmim,
como algumas lembranças.

Não era o olor agudo
dos pinheiros,
não,
não era
a ruptura na pele
do eucalipto,
não eram
tão-pouco
os perfumes verdes
das vinhas,
mas
algo mais secreto,
porque aquela fragrância
uma única,
uma única
vez existia,
e ali, de tudo o que vi no mundo,
na minha própria
casa, de noite, junto ao mar de Inverno,
esperava-me ali
o olor
da rosa mais profunda,
do coração cortado da terra,
algo
que me invadiu como uma onda
desprendida
do tempo
e se perdeu em mim
quando eu abri a porta
da noite.
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 Neruda, Pablo. Antologia. Lisboa: Relógio D' Água Editores, 1998, pp 329-333 (Tradução de José Bento).
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domingo, 9 de junho de 2019

A escritora argentina e docente em Itália Ángela Gentile (à esquerda na foto) teve a generosidade de me enviar uma sua tradução para italiano de um poema meu. Dado o apreço em que tenho a sua escrita, não posso evitar de postar na Rede o referido texto. A minha gratidão!
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  C' É UN RUMORE NELLA DISTANZA
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C' é un mormorio in questa distanza,
possiedo una stratagemma e tinto le parole
trappole che vibrano
ma non proteggono. C' é un porto,
deserto, bagnato, comme tutti i porti
quando non ci sei, c' é carta
un' antica mapa senza litorali
né sponde, dove rifaccio
questa insopportabile sete di te
con me disegnando isole dall' altra parte
del tempo. C' é inoltre-o mi sembra
di avere - un ponte... un paessaggio
minacciato - e tutto ció, tutto, perché
c' é una voce in questa distanza.
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  Mateus, Victor Oliveira. Gente dois Reinos. Fafe: Editora Labirinto, 2013, p 25 (Traduzione Ángela Gentile).
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sábado, 8 de junho de 2019



A vida não tem nada de glorioso. Nascemos, cumprimos – entre o hábito e o biológico – uma série de etapas e depois morremos. Convenhamos que, como ideia de glória, é coisa de parca substância! A vida até pode ter o seu quê de miraculoso, já que em vez de um nada absoluto viemos aqui ver a luz do dia, o movimento das cidades, o verde dos campos e, sobretudo, viemos estar com os outros, experienciar essa qualquer coisa que é amar e ser amado… Sim, de miraculoso pode haver algo na vida, mas de glorioso não! Num pequeno livro sobre a Relatividade, Russell soube precaver-me, logo na minha adolescência, contra a miragem da Duração: há animais que duram apenas um dia, há árvores que duram quatro séculos, há seres humanos que duram cem anos, há estrelas que duram milhares de milhões de anos, ou seja, a vida não só não tem nada de glorioso como é ridiculamente breve. Sabemos que um ou outro pode alcançar um lampejo de brilho, embora eu não entenda para que lhe servirá isso depois de morto. Sempre soube que o jogo dos espelhos – aquele que nas barracas das feiras nos engordam e aumentam -não passa disso mesmo: um jogo, um momento breve sem importância alguma. Assim, a questão que sempre se me colocou, e com veemência, nunca foi porque estou aqui ou o que será isso do “para lá de”, aquilo que sempre me inquietou foi: como passar pelos outros provocando-lhes o menor número de danos possível e protegendo-me igualmente o melhor que souber? É este imperativo ético que tenho procurado transmitir, com algum sucesso, aos novos do meu clã. O resto não me interessa minimamente, nunca me interessou, não creio que me venha a interessar.
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© Victor Oliveira Mateus. Inédito. Facebook, maio, 2019.
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Dia 8 de junho de 2019, na Livraria Ferin (Lisboa): apresentação da obra Legendas para um corpo de Maria José Quintela (Editora Labirinto, 2019). Na mesa, da esquerda para a direita: Profª Maria Teresa Dias Furtado, Maria José Quintela, Profª Maria João Cabrita, Victor Oliveira Mateus.
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                         o desencontro não é um ciência exacta
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partilhamos os dias como autómatos vacilantes em busca de
um desvio feliz. de manhã somos uns. à noite já somos outros.
superamos a latitude elástica com uma curta passagem para vir
à tona respirar. o corpo prossegue entre duas bermas distintas.
a impossibilidade lógica de seguir dois destinos na mesma
viagem obriga-o a escolher. está na hora de abandonar as
pinças e as metáforas. descoser a sombra e excisar os quistos.
nenhuma viagem compensa o regresso a um domicílio incerto.
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 Quintela, Maria José. Legendas para um corpo. Fafe: Editora Labirinto, 2019, p 35 (Prefácio de Maria Teresa Dias Furtado).
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sexta-feira, 7 de junho de 2019


    Não há esquecimento
    (Sonata)


Se me perguntais onde estive,
devo dizer "Acontece".
Devo falar do chão que as pedras escurecem,
do rio que permanecendo se destrói:
não sei senão as coisas que os pássaros perdem,
o mar que ficou para trás ou minha irmã chorando.
Porquê tantas regiões, porquê um dia
se junta a outro dia? Porquê uma negra noite
se acumula na boca? Porquê mortos?
Se me perguntais de onde venho, tenho que conversar com coisas gastas,
com utensílios demasiado amargos,
com grandes animais muitas vezes já podres
e com meu angustiado coração.

Não são as lembranças que se atravessaram,
nem a pomba amarelenta que no esquecimento dorme,
mas sim faces com lágrimas,
dedos na garganta,
e o que se desmorona das folhas:
a escuridão de um dia decorrido,
de um dia alimentado com o nosso triste sangue.

Eis aqui violetas, andorinhas,
tudo o que nos agrada e aparece
nos doces cartões-de-visita de longa cauda
onde passeiam o tempo e a doçura,

Mas não penetremos para além desses dentes
não mordamos as cascas que o silêncio acumula,
pois não sei que responder:
há tantos mortos,
e tantos molhes que o sol rubro partia,
e tantas cabeças que batem nos navios,
e tantas mãos que encerraram já beijos,
e tantas coisas que desejo esquecer.
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 Neruda, Pablo. Antologia. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 1998, pp 125-127 (Tradução de José Bento).
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quarta-feira, 5 de junho de 2019

(...) a logoterapia, em comparação com a psicanálise, é um método menos retrospetivo e menos introspetivo. A logoterapia concentra-se antes no futuro, ou seja, nos significados a serem preenchidos pelo paciente no seu futuro (a logoterapia é, de facto, uma psicoterapia centrada no sentido). Ao mesmo tempo, a logoterapia descentra todas as formações em círculo vicioso e todos os mecanismos de feedback que desempenham um papel tão importante no desenvolvimento das neuroses. Assim, a típica concentração em si mesmo da neurose é interrompida, em vez de ser continuamente alimentada e reforçada.
   Na verdade, este género de declaração é uma simplificação excessiva; ainda assim, na logoterapia o paciente é realmente confrontado com o sentido da sua vida e reorientado para ele. E torná-lo consciente deste sentido pode contribuir muito para a sua capacidade de superar a neurose.
   Deixem-me explicar por que motivo empreguei o termo "logoterapia" para designar a minha teoria. Logos é uma palavra grega que denota "sentido". A logoterapia, ou, como tem sido chamada por alguns autores, "A Terceira Escola Vienense de Psicoterapia", centra-se no significado da existência humana, bem como na busca desse sentido por parte dos seres humanos. De acordo com a logoterapia, este esforço para encontrar um significado na nossa vida é a principal força motivadora do Homem. É por essa razão que falo de uma vontade de sentido em contraste com o princípio de prazer (ou, como também poderíamos designá-lo, a vontade de prazer ), em torno do qual se centra a psicanálise freudiana, e também em contraste com a vontade de poder na qual se centra a psicologia de Adler, que para isso utiliza a expressão "luta pela superioridade".
(...) A busca de sentido por parte do homem é a motivação essencial da sua vida e não uma "racionalização secundária" de impulsos instintivos. O sentido é único e específico na medida em que tem de ser preenchido, e pode ser preenchido, somente por ele; só então assume um significado capaz de satisfazer a sua própria vontade de sentido.
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 Frankl, Viktor E.. O homem em busca de um sentido. Alfragide: Editª Lua de Papel, 2012, pp 102-103.
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terça-feira, 4 de junho de 2019


  Que relação existe entre a inveja e a admiração? Não será possível que a inveja seja uma admiração mascarada, renegada? O invejoso admira o invejado, queria ser como ele, encontrar-se no seu lugar. Sente o seu fascínio como um amante desiludido, traído. O seu pensamento procura-o continuamente, como que hipnotizado, ainda que, depois, quando o encontra, se retraia perturbado, o queira esquecer e não consiga. Não será isto uma experiência típica de amor e de identificação recusada, renegada?
  Estas observações estão na base de uma das mais fascinantes teorias da inveja, exposta por René Girard, segundo quem este sentimento nasceria imediata e espontaneamente da admiração.(...) Fascinante teoria, não é verdade? Mas demasiado simples. De facto criamos os nossos desejos, quer através da identificação, quer através da indicação. Trazemo-los mesmo dentro de nós, como aspirações, modelos ideais. Quando, na situação de inveja, experimentamos o desejo de ter aquilo que o outro possui, muitas vezes revela-se-nos apenas uma coisa que já desejávamos antes.
  Então não há qualquer relação entre a admiração e a inveja, entre a identificação e a inveja? Não, há, por certo. Mas é uma relação de oposição e de exclusão.
(...) Os jovens sentem em relação aos seus cantores ou aos seus campeões preferidos um caloroso sentimento de simpatia, de admiração. É uma verdadeira identificação. O sujeito integra-se no outro, participa da sua alegria e das suas dores, participa na sua grandeza, no facto de ser extraordinário.
   Nesta relação o sujeito já não se contrapões ao seu objecto de identificação admirada. Está totalmente a seu lado, enriquece-se através dele. Não se confronta com ele, não pensa poder ter uma coisa para si, um valor para si, que seja separado do outro. Se alguém o leva a fazer uma comparação, diz que não vale nada e que o outro vale tudo, mas não sofre com isso, está antes encantado que assim seja.
(...) Na inveja, pelo contrário, esta relação estiola, torna-se limitativa. A inveja aparece quando se dá a separação entre nós e o outro. (...) O outro assinala a barreira insuperável para a região do valor, que fica para além, inacessível. O outro faz parte dela, mas constitui a sua barreira em relação ao sujeito que fica condenado do lado de cá da fractura ou muralha que foi criada.
   Assim, a experiência da inveja é a vivência de uma perda essencial e a descoberta angustiada e intolerável do seu próprio eu separado e privado de valor, do seu próprio ser no exílio, em espera inútil perante a porta fechada do ser.
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 Alberoni, Francesco. Os Invejosos. Venda Nova: Bertrand Editora, 1997, pp 43-48.
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segunda-feira, 3 de junho de 2019


A morte da matriarca das Letras Lusas: Agustina, a Grande !
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Agustina Bessa-Luís (15/10/1922-03/06/2019).
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sábado, 1 de junho de 2019



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Por motivos de ordem pessoal não pude estar presente na cerimónia da entrega do Prémio Glória de Sant'Anna 2019, no entanto, a Organização do referido Prémio teve a gentileza de colocar na Rede os momentos da atribuição das Menções Honrosas, uma delas foi para o meu livro Aquilo que não tem nome . Aqui, a Eugénia Bettencourt diz um poema da primeira parte desse livro e o meu Editor recebe a Menção que me foi atribuída. A minha gratidão para todos.
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