Acerca dos livros distinguidos no último Prémio Literário Soledade Summavieille:
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- A Transfiguração da Fome de Sara F. Costa (Menção Honrosa do referido Prémio) terá a sua Apresentação no espaço Menina e Moça (ao Cais do Sodré), Rua Nova do Carvalho, 40-42, 1200-292, no próximo dia 28 de julho (sábado), pela 17:00H. Este livro terá uma Nota de Abertura da autoria de José Luís Peixoto.
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- Sobre o Prumo das Falésias de Rui Miguel Fragas (Menção Honrosa no mesmo Prémio) terá a sua Apresentação em data a indicar, logo após as férias, na Figueira da Foz.
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- O Rosto das Metáforas de Jorge Paulo (livro vencedor do Prémio Soledade Summavieille) terá também a sua Apresentação, em Lisboa, logo após as férias. Este livro terá uma Nota de Abertura da autoria de Victor Oliveira Mateus, que segue aqui em pré-publicação:
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O rosto das metáforas de Jorge Paulo: algumas considerações
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Victor Oliveira Mateus
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O Livro O rosto das metáforas de Jorge Paulo apresenta-nos uma escrita simultaneamente introspetiva e de observação daquilo que no mundo é falência e frágil réstia de abertura a possíveis. Estamos perante um caminho existencial e uma tecedura onde o sagrado e o laico ora correm a par, ora se interpenetram. Este tipo de abordagem do fazer poético, inusitado por entre as múltiplas tendências da poesia portuguesa contemporânea, oferece-nos uma manipulação cuidada do léxico sem concessões a maneirismos, a sentidos espúrios e a uma ganga consentânea com o ruído e o vendável. Estamos perante, pois, um corajoso distanciamento do hábito e do sempre igual, que nos merece uma leitura cuidada e liberta de a prioris.
Nota-se nesta poesia influências não só de Escolas Filosóficas da Antiguidade, como por exemplo, o Estoicismo: “persigo do tempo o gume austero/ e a franja do caminho em que persisto” (p 7); “somos, porém, uma rasura apenas/ que o discurso do tempo consentiu.” (p 21); “Mais vale assim real e certeiro,/ que a trágica comédia do verniz da vida!” (p.26), mas também de filósofos do século XX como Heidegger: “Cada fruto é a mão da vida, velando junto ao abismo/ a casa do ser.” (p 31) e os momentos de desalento extremo tangenciam Cioran: “Porque terei eu de ser aqui/ neste excesso de nada,/ nesta escassez de tudo,” (p 11). Esta poesia é também traspassada por todo um aparelho concetual específico de uma visão cristã do estar-aqui (cf p 13, p 24, p 25, p 41).
O desalento que o eu-lírico deste livro de Jorge Paulo arvora como marco do seu habitar aparece frequentemente geminado com outras instâncias e valorações, como por exemplo a tristeza, a solidão e a efemeridade: “Esqueço-me de acontecer!/ Talvez seja de mim mesmo o estranho ausente,/como se as coisas e os seres se diluíssem na bruma do tempo.// Esqueço que sou, também eu,/ esse estranho ruído que atravessa a solidão/(…) assim me apendo à tristeza da tarde.” (p 28); “fui eu mesmo sem dobras sobre o infinito,/ coisa amarrotada nas esquinas foragidas/ emigrando para longe de todas as esperanças.” (p 29); “tudo se esbate na cupidez do nada.” (p 13). Este descoroçoamento do eu-poético surge marcado pelo hiato existente entre ele e o meio envolvente (a cidade, p 25 e p 49; o tempo vivido, p 9), mas também pelo afastamento dessa infinitude, arquétipo e fundamento do habitar, que é recorrentemente invocada: “Dá-me, peço, a lisura da palavra ausente,/ cevada nos fonemas interditos/(…) Dá-me, pois, te peço, essa verdade/ que sem ti desacontece/ e então serei de novo esse caminho/ onde as cidades desaguam” (p 17); “abri, ó ventos, na carne do tempo/ a flor da eternidade imerecida” (p 27). Este apelo e este anseio de que o poeta se faz arauto “no logradouro da vida” e na “lassidão dos dias”, se, por um lado, o afasta definitivamente das escritas da melancolia, por outro, insere-o num paradigma igualmente importante: “livra-nos da indiferença em relação à miséria, /ao sofrimento, às dissonâncias// e que a tua mão se nos estenda/ para passarmos da pedra à estepe e à esperança” (In O nome e a forma, José Augusto Mourão, p 141); “Ao que vem depois de ti/ cede o instante/ sem pronunciar/ seu nome” (in O viajante sem sono, José Tolentino Mendonça, p 49); “Calando gritos nas/ dores do parto,/ eu de pele toda aberta/(…) esforçando a vinda,/ ampliando a vida,/ expelindo antigas sementes.” (in Quando mais luz, José Félix Duque, p 27). Vemos, por conseguinte, que em O rosto das metáforas de Jorge Paulo, o desalento e o desencanto, apesar intrínsecos à voz poética que percorre todo o livro (atente-se, por exemplo, às várias referências à “porta fechada”!), não são radicais: entre o espaço onde somos “uma rasura apenas” e a abertura a possíveis existe uma mediação – frágil, mas existe!: “Calo-me. E espero que o silêncio esclarecedor me invada o ser./ Talvez assim, olhos fechados nas fímbrias da noite/ tudo irrompa dia claro sobre o abismo da alma. (p 32). Essa mediação, esse veículo que, neste livro de Jorge Paulo, afasta o eu-poético de um pessimismo extremado, aparece numa figuração dual: é a transcendência intuída, mas também essa personagem amada - quer presente fisicamente quer como estela inquebrantavelmente fixada na memória -, que, mesmo quando ausente em corpo, fulgura como mecanismo compensatório, como aceno dizendo, que, apesar da mágoa e da nostalgia, há uma fresta que nos afasta da desolação absoluta tal como a podemos encontrar nas escritas da dor de uma Duras ou de uma Nathalie Sarraute:
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Resta-me o que foste e o que fui contigo,
pássaro na copa dos sonhos
ou lucidez tresmalhando a bruma fria.
Pelo menos, era
(e agora, como ser no deserto de ti?),
pelo menos, dava a mim mesmo a sensação
de um futuro qualquer.
Se ao menos essa memória permanecesse,
se ao menos a memória fosse terra firme
onde aportar depois da viagem!
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(p 12)
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Em O rosto das metáforas , ao nível formal, predomina o poema longo em verso livre, cuja estrutura estrófica varia de poema para poema, contudo, podemos também encontrar nesta obra sonetos decassilábicos com esquemas rimáticos diferentes (interpolados e alternados) onde sobressaem as rimas ricas e as perfeitas. Com este procedimento o poeta enfatiza um dado procedimento estilístico: o ritmo e a cadência subalternizam-se relativamente ao sentido. Sentido esse que é expressão de uma voz poética marcada pelo desalento e pela perda; voz numa relação dialógica e angustiada com o seu espaço:
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Passo e a cidade não inscreve
o som discreto dos meus dias.
Um silvo surdo na alameda breve:
oh cidade de membros às fatias!
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(p 49)
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voz que, apesar da inclemência da memória, reconhece que o possível existiu e existe na margem do aberto, mas que dele, no hoje que lhe é dado viver, tem apenas o
rosto das metáforas.
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