quarta-feira, 23 de outubro de 2024


A tradução que se segue de um extenso poema da poeta do Quebec Louise Dupré, foi publicada na Revista Oresteia em outubro de 2024.. A referida publicação foi devidamente autorizada pela poeta em referência, e pelas editoras onde o poema havia sido editado, no Canadá e em França.
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                                 Louise Dupré

                 Exercícios de alegria (1ª Parte)

    Éditions du Noroit e Éditions Boucey (2022)

 

Os sonhos afogados

no fundo dos teus olhos

 

acabam por regressar à superfície

no sal das lágrimas

 

pequenos cadáveres

branqueados

pelos anos

 

que te despertam

à noite

 

quando pretendes dormir

profundamente

 

é demasiado tarde

para arrependimentos

 

demasiado tarde

para recuperar o tempo

perdido

 

as mulheres que habitaram

o teu nome

 

tu as abandonaste

uma após outra

 

com os seus vestidos

fora de moda

 

 

e eis-te agora

nua

frente ao espelho

 

 eis-te aqui rosto

vazio, navio

fantasma

 

cidade sem pátria

 

e escutas

tranquila

a música do mundo

 

deixando irromper

as imagens

que já não te magoam

 

procuras agora

exercer

a ternura

 

como uma disciplina

de combate

 

uma bondade para te moldares

a ti mesma

 

tu, a mendiga

de minúsculas alegrias

arrancadas ao desespero

 

dizes alegrias

porque não sabes

como nomear

 

 os instantes em que o teu coração

para de bater

dentro do teu peito

 

esses momentos de graça

 

em que uma carapaça te protege

dos gritos

que vais escutando

 

estão perto

estão por todo o lado

e todos os dias

 

esta angústia

impossível de aliviar

 

isso ensurdece-te

isso liquida-te

sem que desapareças

 

e tornas-te então numa morta-viva

 

forçada a peregrinar

no meio de um inferno

de transeuntes

 

mas sobreviver

não te satisfaz

 

tu preferes limpar

a fuligem

dos teus dedos

 

escrever pouco

escrever pobre

 

mas escrever

o que poderia irromper

 

no silêncio

da quietude

 

como se t’agarrasses

a uma boia

 

o tempo de recuperar

o fôlego

 

para vislumbrares a ondulação

finalmente calma

 

de te perguntares

o que poderá surgir

em ti

 

quando já não se tem

nem ambição nem orgulho

 

mas apenas um cenário

de cartão

com paredes esburacadas

 

que deixam ver

uma paisagem em ruínas

 

o que é que sobra

quando nada sobrar

 

salvo uma pequena claridade

que te convida a que a sigas

através da escuridão

 

e tu segue-la

como um caminho

à flor da pele

 

esperando

uma hospitalidade

 

apesar do teu corpo

esboroável

 

tu ainda consegues

respirar

 

ainda consegues revolver

o ar denso

das ruas

 

sem esperar

consolação

 

já não tens idade

para rosas nem pássaros

 

e não conseguirás

reparar a tua alma

 

nem a Terra

 

nem o céu

agora abandonado

 

admite-o

como uma evidência

 

desenhada

nas linhas

da tua mão

 

porque tu aprendes a ler

o que ninguém te quis

ensinar

 

como se abrem

as narinas

 

ante os perfumes de julho

 

és uma respigadeira

revolvendo

os caixotes de lixo

 

e reciclas

flores secas, bibelôs

ou poemas

 

mil vezes recitados

nas escolas

 

antes de serem condenados

ao esquecimento

 

é tão fácil apagar

o quadro negro

 

tão frágil, a memória

dos livros

 

que tentam resistir

a todo o tipo de poluição

 

tomas de empréstimo aos tempos

antigos

a voz dos enforcados

 

que imploram piedade

aos seus semelhantes

 

mas tu não acreditas

no teu próprio apelo

 

não acreditas

poder

abalar os muros

 

 erguidos nos quatro cantos

da humilhação

 

estão por toda a parte

e bem perto

 

 

como uma febre

sem cura

 

um ácido

que corrói a razão

 

enlouquecem-te

e tu sabes isso

 

mas preferes o teu tormento

à doença

dos corações empedernidos

 

tu dominas o teu delírio

e escreves

 

apesar do medo

que te cortem a mão

 

procuras sinónimos

atuais

para a palavra obrigado

 

e dizes compaixão

ou bondade

 

quando te ergues

contra a língua letal

que te impõem

 

está por toda a parte

 

 é a tenacidade e a astúcia

que pirateiam todos os dias

a mente

 

como uma rede

mal protegida

 

 

por vezes tu desejarias

a amnésia

 

mas escolhes

o sofrimento

 

em vez de renunciar

à agitação

do mundo

 

o poema ressuscita

das palavras

assassinadas

 

e planta cravos

no infortúnio

 

para o tornar

suportável

 

o poema é uma oração

secreta

 

uma noite que pretende

fazer ouvir

as óperas do passado

 

tu cantas desafinada

ora mal ora numa lástima

 

mas cantas

 

porque de nada te serve

choramingar

 

mesmo que este tempo se esteja

afundando no mar

 

como um paquete

esventrado

 

havia orquestras

capazes de acompanhar

o seu naufrágio

 

havia desesperos

que mantinham coragem

até ao fim

 

tu não pretendes morrer

antes da morte

 

e contas

pelos dedos

os anos que te restam

 

procurando

de que resistência

te podes reclamar

 

senão da vida

que pretendes fruir

até ao fim

 

e regressas

ao verbo querer

 

 

 

tu repete-lo

como se ele se pudesse apresentar

suficientemente benévolo

 

para apaziguar os teus choros

 

e sem esperares

o mínimo auxílio

 

ergues o olhar

para a esperança de um amanhecer

 

 

e acolhe-la

na palma da mão

 

                      Tradução de Victor Oliveira Mateus

 

Nota: As expressões em itálico referem-se ao poema “Balade des pendus” de François Villon..

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domingo, 22 de setembro de 2024


 

Mesa 6 da 10ª Sessão do F.L.O. (Festival Literário de Ovar, 2024) composta por Ana Cristina Silva, António Canteiro, Pedro Almeida Maia e Victor Oliveira Mateus.
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Momentos de pausa na 10ª Sessão do F.L.O. ( Festival Literário de Ovar, 2024) com Luís Aguiar, Sara F. Costa, Victor Oliveira Mateus, Leocádia Regalo, Pedro Guilherme-Moreira e João Artur Pinto.
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quinta-feira, 12 de setembro de 2024


Nunca perder de vista o gráfico de uma vida humana, que não se compõe, digam o que disserem, de uma horizontal e duas perpendiculares, mas sim de três linhas sinuosas, prolongadas no infinito, incessantemente aproximadas e divergindo sem cessar: o que um homem julgou ser, o que ele quis ser e o que ele foi.
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Marguerite Yourcenar. Apontamentos sobre as Memórias de Adriano. Lisboa: Editora Ulisseia, 2000, p 265 (Tradução de Maria Lamas).
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Foto: Marguerite Yourcenar com a tradutora e académica Grace Frick, sua companheira  até à morte de Grace ( 40 anos!), na sua casa na ilha de Mount Desert (E.U.A.).
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sábado, 17 de agosto de 2024


Com a maior parte dos seres, os mais ligeiros, os mais superficiais desses contactos bastam ao nosso desejo, ou mesmo já o excedem.. Que eles insistam, se multipliquem em volta de uma única criatura até a cativar completamente; que cada parcela de um corpo assuma para nós tantas significações perturbantes como os traços de uma fisionomia; que um único ser, em vez de nos inspirar quando muito irritação, prazer ou aborrecimento, nos obsidie como uma música ou nos atormente como um problema; que ele passe da periferia do nosso universo ao seu centro, se nos torne, enfim, mais indispensável que nós próprios, e o espantoso prodígio realiza-se, no que eu vejo mais uma invasão da carne pelo espírito que um jogo da carne.
Tais pontos de vista sobre o amor poderiam conduzir a uma carreira de sedutor. Se a não segui foi sem dúvida porque fiz outra coisa, aliás melhor. À falta de génio, semelhante carreira requer cuidados e mesmo estratagemas, para os quais me sentia pouco disposto. Essas armadilhas preparadas, sempre as mesmas, essa rotina restringida a perpétuos encontros, limitada pela pela própria conquista, fatigaram-me. A técnica do grande sedutor exige, na passagem de um objecto a outro, uma facilidade, uma indiferença que eu não tenho relativamente a eles; de qualquer maneira, deixaram-me mais que eu os deixei a eles; nunca compreendi que alguém se saciasse de um ser. O desejo de conhecer exactamente as riquezas que cada novo amor nos traz, de o ver mudar, talvez de o ver envelhecer, concilia-se mal com a multiplicidade das conquitas (...) O amador de beleza acaba por encontrá-la em toda a parte, filão de ouro nos mais ignóbeis veios; por experimentar, ao tocar essas obras-primas fragmentárias, sujas ou quebradas, um prazer de único conhecedor a coleccionar barros considerados vulgares.
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Marguerite Yourcenar. Memórias de Adriano. Lisboa: Editora Ulisseia, 2000, pp 18-19 (Tradução de Maria Lamas).
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quinta-feira, 15 de agosto de 2024


A Décima Edição do FLO (Festival Literário de Ovar) decorrerá naquela cidade de 18 a 22 de setembro. Nela estarão presentes vários escritores portugueses. Eu estarei na Mesa 6 com os romancistas Ana Cristina Silva e Pedro Almeida Maia, e o poeta António Canteiro.
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domingo, 11 de agosto de 2024


BREVEMENTE À VENDA:
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nas plataformas livreiras: Wook e Bertrand;
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nas livrarias: Centésima Página (Braga), Snob (Lisboa) e Online da Editora Labirinto.
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sábado, 3 de agosto de 2024



Eis o segredo da elegância de Brummell; eis, afinal, o segredo de todas as elegâncias: a perfeição discreta, a harmoniosa simplicidade. – “O verdadeiro elegante – dizia Brummell -não deve dar nas vistas.” E Barbey d’Aurevilly repetiu: -“ L’homme bien mis ne doit pas être remarqué.” Na fria distinção do grande dandy havia alguma coisa de sobriedade grega, do maravilhoso equilíbrio ático: a entrada de Jorge Brummell no salão doirado de Lady Giorgiana Spencer, duquesa de Devonshire – então o mais célebre salão de Londres – devia lembrar a do elegante Alcibíades, caminhando, coroado de violetas (…) O favorito de Jorge IV de Inglaterra era um orgulhoso frio, um insolente amável, um impertinente paradoxal, um desfrutador glacial e irónico que olhava para toda a gente do alto do seu desdém (…) que sem ter tido sequer talento (as poucas cartas que dele restam são notavelmente mal escritas), deixou discípulos na literatura inglesa, um dos quais (…) é Oscar Wilde.. (…) Os ídolos depressa caem. Uma bela noite, numa ceia em Carlton-House, quando já o champanhe corria a rodo, Brummell voltou-se para o príncipe de Gales: - “Jorge, chama o criado!” O futuro Jorge IV de Inglaterra empalideceu, mediu de alto a baixo o insolente, puxou o cordão de seda da campainha, e, quando os criados assomaram, limitou-se a dizer: -“Levem esse bêbedo.” (…) Morreu louco, em 1840, num asilo de alienados.

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Júlio Dantas. “O heroísmo, a elegância, o amor”. Lisboa: Delraux, 1980, pp 70-74.

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Jerónimo Colaço e Paiva Araújo representam duas modalidades opostas da elegância do Romantismo: a elegância alegre, expansiva, brilhante, e a elegância triste, byroniana, melancólica. Ambas elas foram queridas das mulheres, mas a segunda foi, quase sempre, infeliz no amor. (…) Quero referir-me a Garrett. Para em tudo ser grande, este homem singular a quem os seus contemporâneos chamaram “o divino”, como a Platão, foi um dos maiores, senão o maior elegante do seu tempo. (…) Quando tinha de pronunciar algum dos seus monumentais discursos, não esquecia nenhum pequeno pormenor de elegância: ele, que não usava rapé, levava sempre consigo uma pequena tabaqueira de ouro para o ajudar nos gestos; e nunca, antes de começar a falar, deixava de esfregar as mãos para as fazer mais pálidas (…) Que elegância majestosa, só comparável à de Lamartine! Iluminava-se, crescia, arrebatava. E, entretanto, Garrett não era belo. Garrett lutava com a falta de dotes naturais (…( Tudo nele era postiço, desde o espartilho até ao chinó (…) desde o chumaço dos ombros até ao bucho das pernas. Quando à noite recolhia a casa (…) desmanchava-se como um puzzle.

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Júlio Dantas, Idem pp 86-88.

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quarta-feira, 24 de julho de 2024

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A 14 de outubro de 1994, seis anos após o anúncio do seu Prémio Nobel, o escritor egípcio Naguib Mahfouz, de oitenta e dois anos, saiu de casa, dirigindo-se a pé ao seu café favorito para a reunião semanal com os seus colegas escritores e pensadores. Enquanto caminhava houve um carro que começou a rodar lentamente ao seu lado. Ele disse mais tarde que pensara que era provavelmente um fã. Não era um fã. Era um homem que saltou do carro e esfaqueou repetidamente Mahfouz no pescoço. Mahfouz ficou por terra e o seu atacante fugiu. Felizmente, o grande escritor sobreviveu ao ataque, mas foi um caso de “terrorismo cultural” do qual tinha previamente acusado os fundamentalistas islâmicos egípcios. Um ataque deste tipo pairava há muitos anos sobre a cabeça de Mahfouz. (…) tinha sido proibido por “ofender o Islão”. Pelo menos um mulá ativista fanático tinha declarado que Mahfouz merecia morrer. Descobriu-se uma lista de condenados à morte islamita na qual ele figurava, quase à cabeça.

(…) Sobreviveu, e viveu mais doze anos, com a permanente proteção de guarda-costas que antes tinha recusado. Os ferimentos foram de tal ordem que só conseguia escrever uns minutos por dia.

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Salman Rushdie. “Faca”. Alfragide: D. Quixote, 2024, pp 179-180.

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terça-feira, 9 de julho de 2024

A Poesia de Mary B. Tolusso foi publicada na Revista Oresteia no dia 2024/05/10.

Nel celeste delle rabbie schiarite non porti ombra né fiori, hai la maschera
vaga, la prudenza dell’amante, quale smania ti prende
amico caro? Sono stata insieme a te, ora me ne vado e piove
acqua nel chiaro delle tenebre.

Dicono che i grandi fiumi hanno memoria, dicono che il divenire
è più forte del dolore, tu hai la veste dell’insonnia animale
qui invece barche, silenzi, lucciole traverse, l’incerto si fa
tenero, i morti non si fanno vedere, solo labbra di acque macellate

La stagione si appendeva agli alberi in una sconcia
confidenza con la terra. Era il giorno fedele ai nomi,
disegnavo quattro corpi sulle buste delle lettere,
perché la vita è poca e tu scomparso eri un luogo intero.
Lo vedi questo cielo impasticcato? Allucinato
verso un bianco crudele che è il bianco
delle palpebre, il bianco della gola quando
qualcuno ha detto «Adesso è pronto». Ma
io non ci credo, nessuno è
pronto, un istante sulla Terra, nessuno
è pronto, era nostro il perfetto insieme, il tuo nome,
la finestra aperta, amore mio cosa sta accadendo?
Cosa deve avvenire? Questa morte non esiste.

*-*

Num admirável delírio iluminado não trazes sombra nem flores, trazes uma máscara
errante, a prudência do amante, que inquietude te possui
caro amigo? Tenho estado junto a ti, agora vou-me embora e chove
água na claridade das trevas.

Dizem que os grandes rios têm memória, dizem que o devir
é mais forte do que a dor, tens o manto de uma insónia animal
que em vez de barcos, silêncios, pirilampos, o incerto torna
suave, os mortos não se deixam ver, apenas os lábios de água arruinados.

A estação pendurava-se nas árvores em licenciosas
confidências com a terra. Era um dia de fidelidade aos nomes,
eu desenhava quatro corpos nos envelopes das cartas,
porque a vida é curta e tu desaparecido eras um espaço completo.
Vês este céu pegajoso? Alucinado
na direção de um branco cruel como é o branco
das pálpebras, o branco da garganta quando
alguém diz “Agora está pronto!” Mas
eu não acredito, ninguém está
pronto, sequer um instante sobre a Terra, ninguém
está pronto, era nosso o perfeito estar junto, o teu nome,
a janela aberta, meu amor o que está sucedendo?
O que deve sobrevir? Esta morte não existe.

Tradução de Victor Oliveira Mateus

*-*-*

Mary B. Tolusso vive tra Milano e Trieste. Laureata in Lettere svolge attività di giornalista. È autrice dei romanzi L’imbalsamatrice (Gaffi, 2010), L’esercizio del distacco (Bollati Boringhieri, 2018) e delle raccolte poetiche L’inverso ritrovato (Lietocolle, 2003), Il freddo e il crudele (Stampa, 2012), Apolide (Specchio-Mondadori, 2022, finalista al Premio Strega 2023). È presente in antologiche tra cui I mari di Trieste (Bompiani, 2015). Poeti dopo il Duemila (Mondadori, 2017) e Poesie dell’Italia contemporanea (Il Saggiatore, 2023), ha tradotto Giacomino da Verona per il volume Visioni dell’aldilà prima di Dante (Mondadori, 2017). Ha ricevuto il Premio Pasolini (2004), Premio Fogazzaro (2012), Premio Internazionale Città di Moncalieri (2023) Premio Acqui Terme (2023).



 

sábado, 25 de maio de 2024

Ensaio de Victor Oliveira Mateus publicado na "Revista Oresteia" a 03/05/2024.

 Aproximações ao Pensamento de Joseph Ratzinger – Artigo 2: Evolucionismo e Criacionismo.

Os confrontos entre Evolucionismo e Criacionismo têm, ao longo dos tempos, proporcionado os mais diversos debates, distintos quer em veemência quer ao nível da sua fundamentação. Logo em 1860, um ano após Darwin ter publicado A Origem das espécies, assistimos ao confronto entre Samuel Wilberforce, bispo de Oxford e membro da Câmara dos Lordes, e Thomas Henry Huxley, morfologista e paleontólogo; é um embate entre dois grandes vultos da era vitoriana: um da Igreja, outro da ciência. Atravessando o Atlântico, encontramos em tribunal, nos E.U.A., no Tennessee, em 1920, John Thomas Scopes, professor local acusado de ensinar nas aulas a teoria de Darwin da evolução, violando assim a lei estatal. Scopes é declarado culpado e multado, embora posteriormente um recurso tenha anulado a decisão judicial devido a um pormenor técnico. Por fim, em 1957, em plena Guerra Fria, após as conquistas espaciais soviéticas e os seus livros escolares começarem a apresentar exposições completas e pormenorizadas da evolução, surge, no seio do cristianismo americano, uma alternativa a essas posições que viria a ser chamada de Criacionismo, contudo, isto acabou por conduzir a que em 1981, no estado do Arcansas, outro julgamento acabasse por deliberar a favor do Evolucionismo, forçando assim a retirada do Criacionismo dos curricula letivos.
Um dos primeiros homens a falar publicamente a favor do darwinismo, para além de cristão, era clérigo anglicano: refiro-me a Baden Powell, nomeado professor de Geometria pela Universidade de Oxford, que, na época do debate entre Huxley e Wilberforce que referi acima, escreve palavras encomiásticas para com o A Origem das Espécies de Darwin. Também Charles Kingsley, sacerdote e professor de História Moderna na Universidade de Cambridge, afina pelo diapasão de Powell. Uma das figuras mais interessantes desta lista foi o teólogo de Oxford: Aubrey Moore, que, darwinista e cristão, defendia que a ciência iria agora permitir a Deus participar no nosso modo de ver as coisas, a toda a hora e em todo o lugar, isto é, seria agora possível regressar à visão cristã da intervenção divina direta, à imanência omnipresente do poder divino.
Mas não é só do lado da religião que surgem posições conciliatórias, também do lado da ciência irrompem posições

de harmonização e integração: cito aqui dois dos maiores evolucionistas desde de Darwin: o inglês Ronald Fisher, autor de The Genetical Theory of Natural Selection (1930), e Theodosius Dobzhansky, americano nascido na Rússia, autor de Genetics and the Origin of Species (1937). Ambos os cientistas eram assumidamente cristãos: o primeiro na Igreja Anglicana, o segundo na Igreja Ortodoxa. Para Fisher, se a evolução ainda não terminou, a criação também ainda está a decorrer, ela não cessou há muitos séculos atrás e, se quisermos mesmo articular esse processo com o Génesis, nós estamos ainda no sexto dia, aquele em que Deus ainda não descansou para contemplar a sua obra. Dobzhansky articulará a fé com a ciência de modo muito semelhante. Contudo, à medida que nos vamos aproximando da contemporaneidade a distância entre fé e ciência irá apresentar-se, para alguns autores, como incomensurável ou, em alguns mesmo, insuperável, é o caso de Richard Dawkins (nascido a 26 de março de 1941): biólogo em Oxford, profundamente ateu e duro darwinista. Se Dawkins é o forte defensor do Evolucionismo, encontramos na outra extremidade Phillip E. Johnson (1940-2019) grande adversário dessa corrente e defensor acérrimo do Criacionismo. Todavia, e para além destas posições extremadas, autores existem que argumentam que a ciência e a religião podem coexistir em harmonia, é o caso de Stephen Jay Gould (nascido em Nova Iorque a 10 de setembro de 1941). Gould, paleontólogo que se assume como agnóstico, argumenta que não há oposição entre ciência e religião, já que não há sobreposição entre ambas, pois os seus campos de especialidade profissional são radicalmente distintos: a ciência interessa-se pela constituição empírica do universo, já a religião tem por preocupação a busca de valores éticos corretos e o significado das nossas vidas. Este sentimento de unidade e harmonia é também vivido por outros autores como Keith Ward (nascido a 22 de agosto de 1938), professor de Teologia em Oxford, que defende que a seleção natural é uma teoria fecunda, pois o relato evolucionista e a crença religiosa numa força criativa não só são compatíveis, como se reforçam reciprocamente.
Desenhado que está o pano de fundo da polémica, discorrerei agora sobre a posição de Joseph Ratzinger no que a ele diz respeito.

Assim, e no respeitante ao que tenho vindo a escrever, este autor não se coíbe de colocar a questão: “Mas hoje a nossa pergunta é: na época da ciência e da técnica, ainda tem sentido falar de criação? Como devemos compreender as narrações do Génesis?” (RATZINGER, 2023, p 27). Vemos, por conseguinte, que a problemática da criação se encontra imbrincada com o modo de olhar a narrativa bíblica. A sua posição é bastante clara: a Bíblia não é um manual de ciências naturais, o que ela pretende é compreender a verdade autêntica e profunda da realidade, ou seja, o que o Génesis ambiciona é revelar que o mundo não é um conjunto de forças contrastantes entre si; aquilo a que a Bíblia aspira é revelar que o mundo tem origem no Logos, na Razão eterna de Deus. A partir deste tópico a questão da Criação segue a par da metodologia com que devem ser olhadas as Escrituras: “Portanto, a Escritura diz-nos que a origem do ser, do mundo, a nossa origem não é o irracional, mas a razão, o amor e a liberdade.” (RATZINGER, 2023, p 27). A partir daqui temos de reconhecer que o homem não se fez sozinho; os humanos não são mais do que pó, e é Deus que inspira o sopro de vida nesse corpo modelado de terra, ou seja, nós trazemos em nós esse sopro vital, daí a inviolabilidade da pessoa humana, a sua dignidade, que jamais deve ser entendida através de critérios utilitaristas. Uma vez este ponto assente, o jardim com a árvore do conhecimento do bem e do mal revela-nos tão-só (ou acima de tudo?) que o homem deve reconhecer que o mundo não é propriedade a destruir e a explorar, já que sendo dádiva do Criador, ele é um dom a cultivar e a conservar. Mas Ratzinger não se limita ao modo de ler as Escrituras, ele articula essas narrações com o contexto sócio-cultural ao qual elas se dirigiam e se dirigem, pois da Bíblia ninguém pode obter informações relativas às ciências naturais, já que dela apenas se podem obter conhecimentos relativos à experiência religiosa, então “Tudo o mais não passa de uma imagem e de uma forma de narração com o único objectivo de tornar realidades profundas acessíveis aos seres humanos.” (RATZINGER, 2009, p 19). Urge então distinguir “forma de uma representação” de “conteúdo dessa mesma representação”, e a forma terá sido escolhida num contexto epocal em que podia ser compreendida, uma vez chegados aqui surgem-nos dois outros subtemas: um, só se pretende representar, através dessas imagens, realidades que são perenes, isto é, não interessa demonstrar como as árvores, as estrelas, o sol, etc., foram aparecendo, a intenção é outra: mostrar que Deus criou tudo o que vemos neste Aqui que nos envolve, que tudo procede da Razão de Deus, de um Logos criador pela “Palavra de Deus, que é a mensagem do seu acto criador” (RATZINGER, 2009, p 25); dois, há uma constatação da (e na) Bíblia aparentemente contraditória com o que escrevi anteriormente, é que ela adapta constantemente as suas imagens ao desenvolvimento do pensar que, no tempo, necessariamente vem ao seu encontro; as imagens, portanto, corrigem-se constantemente através dum processo interativo e gradual, e é desse modo que elas nos vão dizendo que não passam de imagens de algo que as ultrapassa. Assim, as narrativas bíblicas relativas à criação são um modo de referência à realidade distinto dos que podemos encontrar na biologia, na astrofísica, na paleontologia, etc., elas não explicam o processo evolutivo do que nos rodeia nem a estrutura matemática da matéria, dizem-nos, isso sim – e de forma diferente -, que há um só Deus e que o universo não é um mero campo onde forças obscuras se digladiam, mas que é Criação do Logos, da Razão e da Palavra de Deus. Contudo, convém acrescentar que as passagens particulares da Bíblia não caiem numa ausência de significado nem que este se encontra limitado ao seu conteúdo: elas representam a verdade segundo o modo próprio dos símbolos – exemplo: a narração bíblica está marcada por números que não reproduzem a estrutura material do universo, mas o plano interno da sua construção, assim encontramos com frequência o 4, o 7, o 10; a expressão “disse Deus” surge 10 vezes na narração da Criação, numa antecipação dos 10 Mandamentos, que se apresentam como o eco dessa mesma Criação, e os exemplos – não arbitrários – são inúmeros, numa tradução que aponta para a linguagem, para o espírito, para a tradução da linguagem do universo, para a lógica com que Deus o criou. Antecipando a posição de Ratzinger posso afiançar que a relação Evolução/ Criacionismo não se apresenta sob a forma de uma oposição: “Ora, espíritos mais pensativos deram-se há muito conta de que não estamos perante uma alternativa. Não podemos dizer criação ou evolução. A fórmula correcta seria criação e evolução, pois estes dois conceitos respondem a duas questões diferentes. A história do pó da terra e do sopro de Deus, que atrás ouvimos, de facto, não explica como as pessoas surgiram, mas antes aquilo que elas são. Explica a sua mais profunda origem e lança uma luz sobre o projecto que elas são. A teoria da evolução procura, por outro lado, compreender e descrever os desenvolvimentos biológicos. Mas, ao fazê-lo, não pode explicar de onde veio o “projecto” das pessoas humanas, nem a sua origem interior, nem a sua natureza particular. Neste sentido, somos aqui confrontados com duas realidades que são complementares – em vez de se excluírem mutuamente.” (RATZINGER, 2009, p 50). Esta posição remete-nos para um outro tema importante no pensamento de Ratzinger, refiro-me à questão da relação Saber/ Ignorância, que, por sua vez, nos assinala um tema fundamental no pensamento deste autor: a Fé. Considerando que esse tema tangencia tudo o que aqui abordei, tomo a liberdade de referir o cuidado com que, segundo Ratzinger, devemos trilhar as sendas do conhecimento: “Obviamente, esta mistura de saber e ignorância, de conhecimento material e profunda incompreensão existe em todos os tempos. Por isso, a palavra de Jesus relativa à ignorância, com as suas aplicações nas diversas situações da Escritura, deve, também hoje, inquietar os pretensos sábios. Porventura não seremos cegos precisamente quando nos consideramos sábios?” (RATZINGER, 2011, p 171).

BIBLIOGRAFIA
Consultar o final do Artigo 1, também neste número da Revista.

                                   Victor Oliveira Mateus

segunda-feira, 13 de maio de 2024

Ensaio de Victor Oliveira Mateus publicado na "Revista Oresteia" a 08/04/2024.

 Aproximações ao pensamento de Joseph Ratzinger – Artigo 1:

a Teologia da Fraternidade.

A primeira obra de Joseph Ratzinger a granjear grande audiência foi o Diechristliche Bruderlichkeit (Irmãos em Cristo), não se tratava propriamente de uma obra consagrada ao Pai e à Patrística, mas antes de um tratado doutrinal. Ratzinger havia já abordado a problemática da fraternidade aquando do seu trabalho em torno de Santo Agostinho e de Santo Optat, acresce agora o facto desta problemática se impor, no momento, nas democracias europeias, em vésperas do Concílio Ecuménico, que viria depois a sublinhar a igualdade fundamental dos batizados, que seriam chamados – todos! – a uma santidade comum.
Ora, o modo como Ratzinger aborda o tema da fraternidade é, não só original, como muito mais perspicaz do que aquilo que aparenta ser: este problema diz-nos, por conseguinte, que toda a união conduz a uma separação entre aqueles que são incluídos no grupo e os que são deixados de fora. Na esperança de tentar resolver este paradoxo, confirmado no quotidiano, Ratzinger apoia-se na revelação bíblica: irmão, no Antigo Testamento, é aquele que, como eu, pertence à comunidade do povo de Deus. Logo, é a paternidade divina que surge como fundamento da fraternidade israelita, mas eis que assoma algo de estranho no profetismo yahvéista: o Deus nacional de Israel é o Deus universal. Trata-se então de saber qual a conexão estabelecida entre a realidade de um Deus universal, supranacional, e o facto de haver apenas um único povo que o adora como sendo o seu Deus. Mas há ainda aqui outro aspeto importante: esse elo não é estabelecido por Israel, mas por Deus, pela livre decisão da sua Graça, a ser assim, Deus mantém-se livre de rejeitar Israel caso as suas transgressões lhe deem motivo para tal. A conclusão que podemos tirar daqui é que se a relação de Deus com a nação hebraica é especial, ela não é, no entanto, exclusiva, e isso introduz um elemento de incerteza na questão da fraternidade de Israel para consigo própria. Contudo, outro modo de entender o judaísmo irrompe, um que, em certos aspetos, difere da religião do Antigo Testamento, e que é produto de um processo de racionalização que dá ao povo a ideia de uma eleição gratuita, ou seja, privada de causa; dando então a ideia de que Deus havia proposto a Torá a todos os povos da Terra, mas que apenas Israel a aceitara, tornando-se, por essa razão, o único povo de Deus, isto significaria, em última análise, que não havia sido Deus que escolhera Israel, mas antes este que escolhera Deus, é, então, por aqui que passa a linha que separa o Antigo Testamento visto como praeparatio evangelica e o judaísmo da sinagoga.
Joseph Ratzinger encontra na antropologia teológica do Antigo Testamento a confirmação deste traço fundamental que ele captou na doutrina da eleição desse mesmo Testamento: todos os homens estão unidos em Adão, e em Noé, por conseguinte, uma aliança particular liga o Deus de todos os homens a Abraão e à sua descendência. Os judeus são, então, irmãos num sentido elevado, mas também pela unidade que carateriza a relação do género humano com o seu Criador; os outros são igualmente irmãos, embora num sentido mais abrangente. A lei de Moisés confirma, aliás, esta asserção pelas suas disposições para com o “estrangeiro que está à porta”. Será, pois, a partir desta perspetiva que Ratzinger irá depois examinar a ideia de fraternidade no mundo profano desde o helenismo até Karl Marx, com especial incidência em Schiller, na Revolução francesa, no Liberalismo com as suas relações com a franco-maçonaria e em Marx.
Joseph Ratzinger interpreta assim o Novo Testamento como esse cume que testemunha o plano de Deus para a humanidade, e de onde brota a resolução do paradoxo da fraternidade.

Se à primeira vista as palavras de Jesus se podem prestar a uma interpretação que perpetua o problema, já que elas poderão parecer prolongar uma certa ambivalência, isto é, a ideia de uma fraternidade universal que bordeja uma fraternidade particular, já em São Paulo, onde a tese da paternidade se apresenta de modo aprofundado, num modelo trinitário que começava a ganhar raízes, veicula-se não só a doutrina do Cristo segundo Adão, mas defende-se sobretudo que se os homens, no seu todo, não forem ainda irmãos em Cristo, eles poderão e deverão sê-lo. Dito de outro modo: o amor entre os cristãos, não exclui, antes implica a agapè (o amor da Caridade).
Joseph Ratzinger nota ainda na Patrística, à volta deste tema, comentários algo equívocos: conhecedor profundo da tradição norte africana, já que estudioso exímio de Santo Agostinho, debruçar-se-á sobre Tertuliano onde vê uma doutrina conciliatória baseada numa dupla fraternidade, uma que não exclui nenhum homem dada a sua ascendência comum, e a outra será uma fraternidade baseada no conhecimento de Deus e desse Espírito de santidade concedido aos cristãos. Por outro lado, em São Cipriano a linguagem da fraternidade confina-se exclusivamente à colegialidade dos bispos. Urge, então, uma nova síntese, e Joseph Ratzinger irá defender a sua leitura deste tema, que será apresentada em quatro momentos:

No primeiro momento dessa sua síntese, Joseph Ratzinger insiste no facto da fraternidade cristã não se poder basear em qualquer outro princípio que não seja a Fé, ou seja, para que essa fraternidade se possa concretizar urge a aceitação consciente e espiritual da paternidade de Deus, bem como uma unidade de vida em concordância com a Graça de Cristo. E esta dimensão social deve ser sempre renovada na consciência dos crentes! Joseph Ratzinger vai aqui pedir a sua inspiração a um filósofo alemão da Idade Média: Mestre Eckhart. Para Eckhart tornar-se um em Cristo significava a anulação do nosso “eu”, deixar de considerar o seu ego como um absoluto. Contudo, a este pressuposto convinha adicionar também – clarificando – o conceito de Fé tal como fora definido pelo Concílio de Calcedónia (451/10/08 – 451/11/01), isto é, que Jesus era simultaneamente Deus e homem.
Em segundo lugar, Ratzinger demonstra que o dom divino de uma nova fraternidade traz com ele um imperativo humano: a supressão de todas as fronteiras que possam existir no interior da família cristã, incluindo nesta perspetiva as nações, os diversos tipos de nacionalismos, bem como tudo o que no interior das diversas classes se possa apresentar como fator destruidor da fraternidade cristã.
O terceiro elemento da síntese de Joseph Ratzinger consiste na advertência relativamente a um impetuoso otimismo no que diz respeito à concretização da comunidade fraternal, pois existe uma miríade de armadilhas no caminho para a philadelphia (literalmente: “amor pelos irmãos”). Este tópico prende-se com o estatuto que a Eucaristia tem no pensamento de Ratzinger, já que é colocando no centro essa Comunhão que é simultaneamente fonte e centro, que se reforça o caráter unitivo da vida comunitária, mas convém, no entanto, tornar claro que a fraternidade cristã não tem por objetivo a criação de um qualquer circulo esotérico, ela tem por objetivo o serviço do Todo: a comunidade fraternal cristã não é contra, mas antes pelo Todo, no entanto, se este universalismo, esta salvação de Todos, não fizer parte da fé cristã, ela terá seguramente de fazer parte da esperança dos cristãos.
Finalmente, num quarto momento da sua síntese, encontramos um caráter ecuménico, onde Ratzinger sugere: mesmo que a fraternidade cristã não possa significar tudo isto, então o termo “irmãos separados” com o qual os católicos costumam nomear os não-católicos, poderá adquirir um sentido preciso e fecundo, e numa achega que antecipa as suas futuras reflexões sobre Martinho Lutero, sublinhará mesmo que se aquilo que foi condenado no passado, a justo título, como heresia, não pode ser transformado agora em verdade, poderá no entanto desenvolver-se aí uma via eclesial particular de modo a que aquele que pertence a uma tradição cismática viva como um crente, e não como um herético. Esta última tese viria a ser bem acolhida por outros pensadores, como por exemplo o inglês Fergus Kerr, que a considerará mesmo um marco central na vida do Catolicismo.

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Temas do próximo artigo (o 2º) sobre este autor: Evolucionismo e Criacionismo.

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Bibliografia (para todos os artigos sobre este teólogo e filósofo, incluindo os ainda a publicar):

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  • RATZINGER, Joseph (2011) – Jesus de Nazaré Parte II, Da Entrada em Jerusalém até à Ressurreição. Cascais: Princípia Editora.
  • RATZINGER, Joseph (2012) – Jesus de Nazaré, A Infância de Jesus. Cascais: Princípia Editora.
  • RATZINGER, Joseph (2023a) – O Que é o Cristianismo, Quase um Testamento Espiritual. Cascais: Princípia Editora.
  • RATZINGER, Joseph (2023b) – Salvos na Esperança (Encíclica Spe Salvi). Prior Velho: Paulina Editora.
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