domingo, 2 de março de 2025

Poema inédito de Lorenzo Patàro com tradução minha. Este poema circulou nas redes num muito bem concebido clip, contudo - e porque estas publicações têm apenas a finalidade da divulgação e não quaisquer intuitos comerciais -, todo este material será imediatamente removido caso os seus herdeiros assim mo façam saber.:
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estamos aqui, agora
neste momento
neste século
deste milénio
estamos aqui e é estranho
este ser-se
este estar todos os dias
cada vez mais alheios ao mistério
e, no entanto, ainda vivos
apesar de tantos medos
de guerras, dos mortos
que se acumulam nas horas
esperando que no final
prevaleça a luz
que escolhemos
habitar na vida
o pouco de bem
que possamos fazer ao Outro
estamos aqui e é como
se aqui tivéssemos estado sempre
dando por contado que
no final de todas as noites
permaneceremos
crendo-nos eternos enquanto vivemos
então talvez o que conte
seja dar a estes anos
qualquer coisa que permaneça
para todos os potenciais
passageiros do futuro
um pouco do nosso ardor
qualquer coisa que valha a pena recordar
e não viver no tempo
como algo inexaurível
e infinito
deixar um rasto benévolo
da passagem àqueles que virão
qualquer coisa que permita
a este ar
e a este céu que permaneçam
qualquer coisa que faça bendizer
este nosso furor
com que nos amamos
como recém-nascidos
no colo da mãe
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siamo qui, adesso
in questo istante
in questo secolo
di questo millennio
siamo qui ed è strano
questo esseri
questo stare ogni giorno
piú ignnari del mistero
eppuere ancora vivi
nonostante le paure
le guerre, le morti
che affollano le ore
sperando che alla fine
prevalga la luce
che sceglamo
di abitare nella vita
quel poco di buono
che possiamo fare all’ Altro
siamo qui ed è come
se ci fossimo da sempre
dando per scontato che
alla fine di ogni notte
resteremo
credendoci eterni finché vivi
allora forse ciò che conta
é dare a questi anni
qualcosa che resti
a tutti i potenziali
passeggeri del futuro
un po’ del nostro ardore
qualcosa che valga
la pena ricordare
e non vivere nel tempo
come fosse inesauribile
e infinito
lasciare un’ orma buona
del passaggio a chi verrà
qualcosa che permetta
a questa aria
e a questo cielo di restare
qulcosa cha faccia benedire
questo nostro furore
in cui ci amiamo
come
cuccioli
nel caldo della madre
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Pode ser uma imagem de 1 pessoa e a relva
Todas as reações:
Maria José Quintela, Filipa Vera Jardim e a 51 outras pessoas


 

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025


 

O poeta Lorenzo Pataro, nascido em Castrovillari em 1998, "decidiu partir" no dia 19/02/2025, deixando-nos a nós, seus amigos, completamente devastados. Ci vediamo presto, Lorenzo!

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domingo, 2 de fevereiro de 2025


Observo este céu, este céu
que está aqui agora, diferente, igual a todos os outros,
perscruto o seu fluir como um rio,
acompanho o seu percurso e pergunto-me
quem sou eu aqui e agora, que direito
tenho de estar aqui agora relativamente a todos
os outros, àqueles que deixaram o seu rasto há muito tempo
na noite ou ao amanhecer tentando encontrar
o seu destino, encontrar sabe-se lá que outro
novo corpo para habitar. Os mortos sabem tudo.
E lêem-te o pensamento. E eu tremo quando penso
que lá longe, num tempo antigo e já futuro,
num tempo presente e passado,
alguém abrange todo o mundo, o universo
inteiro, tremo quando penso
nos biliões de mortos talvez vivos e infinitos
sabe-se lá onde, sinto uma enorme vertigem
apoderar-se-me do peito quando penso
que também eu, um dia, farei parte dessa multidão
e então o que será das palavras,
mesmo destas, que sentido terá havido em respirar, estar de pé, avançar
no mundo e depois desaparecer.
Talvez então se torne claro todo o mistério,
tudo será tão simples e perfeito
e eu iludir-me-ei que tudo irá para o valeiro
originário, entretanto, continuo a olhar para este céu,
este céu que está aqui agora, diferente,
igual a todos os outros, o mesmo que observava
o primeiro homem – eu agora se só existe
o momento presente -, que o homem do futuro
olhará do mesmo modo, olho para este
céu e, entretanto, retremo ao pensar-me que vivo
aqui e agora, embutido na obra do mundo,
deixando como os outros o meu rasto.
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Lorenzo Patàro
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(Esta tradução deste excelente poema foi feita e publicada por mim no Facebook com autorização do autor. Atendendo ao facto de ser ainda um texto inédito, não consta aqui o original italiano).
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domingo, 22 de dezembro de 2024


"EREMUS ET CIVITAS LUCUM",  ANTOLOGIA POÉTICA (1984 - 2024)

DE  VICTOR OLIVEIRA MATEUS
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quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

domingo, 1 de dezembro de 2024

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Excerto de uma carta de Clea para o narrador:
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Um artista não vive a sua vida pessoal como nós fazemos, oculta-a, obrigando-nos a penetrar nos seus livros se desejamos conhecer a verdadeira fonte dos seus sentimentos. Para além de todas as suas preocupações sexuais, sociais, religiosas, etc. (todas as abstracções que constituem a matéria-prima que alimenta as segregações do cérebro), está simplesmente um homem torturado para além do que é possível suportar, pela falta de ternura que existe no mundo.
E tudo isto me reconduz à minha própria pessoa, porque eu também mudei de maneira muito curiosa. Esta vida altiva e independente que levei transformou-se em alguma coisa de árido e vazio. Já não corresponde às minhas necessidades mais profundas. Algures, nas profundidades do meu ser, creio que a maré começou a mudar. Não sei porquê, mas é para si, meu querido amigo, que nestes últimos tempos os meus pensamentos se voltam com mais frequência. Posso ser franca? Seria possível uma amizade nesta encosta do amor? Uma amizade que pudéssemos procurar e descobrir? Não falo de amor - a palavra, com todas as convenções odiosas que invoca, tornou-se-me odiosa. Mas não será possível alcançar uma amizade que seja ainda mais profunda, infinitamente mais profunda, para além das palavras e das ideias? Será possível encontrar um ser humano a quem guardemos fidelidade, não no corpo (deixo isso aos padres) mas no espírito culposo?
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Lawrence Durrel. Quarteto de Alexandria, Vol. 1: Justine. Lisboa: Editora Ulisseia, 3ª Edição, pp 272-273.
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sábado, 30 de novembro de 2024


(...)
nunca mais teremos
    o enlace das rosas
brancas


porque os campos
    indefesos
renunciaram à lividez
da terra impudica


e as águas
    piedosas
fugiram para lá
das fontes


e nós   meu amor
haveremos de plantar
rosas


no terraço


do nosso
desassossego


hás de voltar à planície
da pulsação solar


quando as horas forem os rios
da nossa alvorada


e quando as ervas puderem ungir
    a pele
esmagada pela sede


meu amor


hás de voltar
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  Ângela de Almeida. A Janela de Matisse. Ponta Delgada: Nona Poesia, 2024, pp 68-69.
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quarta-feira, 27 de novembro de 2024

A poesia de Luca Baldoni foi publicada na Revista Oresteia a 17 de novembro de 2024.

                LEONARDO

 

Ecco che il grande uccello in volo si è levato:

e l’ampia piana scruta in alto veleggiando

assorto tra le ali come un pensiero inquieto

che sale sale ancora, sfidando  l’orizzonte –

 

nella strettura in fondo, dove s’insinua il fiume,

l’ostacolo intuisce, il bloco che sbarrava

il passo verso il mare, e il lago primordiale

tra i colli e le castella, l’ambiente coi riflessi

tonali tra le canne, le trecce delle onde

che frangono la sponda, afferrano le nebbie

 

e su sulle montagne riposano conchiglie

avvolte tra le rocce, e solo lui le coglie

nel tempo delle ere precipitate in basso,

in un lontano mare di forme elementari

in cui la vita sboccia, non cerca narrazioni

 

come per primo è il buio e poi la luce che si afferma,

e la natura è piena di ragioni seducenti

che mai non sono state nell’arco di esperienza,

 

 prossegue solitario l’intrepido confronto:

occhio che non si arresta nel cuore del profondo.

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Luca Baldoni. Anno naturale. Firenze: Passigli Editori, 2021, p 53.

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segunda-feira, 11 de novembro de 2024

 


            Leonardo

 

Eis que o grande pássaro levanta seu voo:

e a vasta planície observa-o, no alto, planando

absorto, com suas asas, como um pensamento inquieto

que se ergue de novo, fustigando o horizonte –

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no cenário ao fundo, onde o rio se insinua,

divisa-se o obstáculo, o cerco que impedia

a passagem na direção do mar, e o lago originário

entre colinas e castelos, o ambiente com reflexos

cintilantes no meio do canavial, o entrançado das ondas

que rebentam à beira-mar, atinge a neblina

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e no cume das montanhas repousam conchas

emaranhadas entre as rochas, e apenas ele as alcança

no momento em que mergulha

num remoto mar de formas elementares

onde a vida eclode, não procura narrativas

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já que primeiro são as trevas e depois a luz que se afirma,

e a natureza está repleta de sedutoras razões

que nunca haviam estado no arco da experiência,

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prossegue solitário o arrojado confronto:

olhar que não se detém no coração das profundezas.

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 Luca Baldoni. Anno naturale. Firenze: Passigli Editori, 2021, p  53 (Tradução de Victor Oliveira Mateus).

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quarta-feira, 23 de outubro de 2024


A tradução que se segue de um extenso poema da poeta do Quebec Louise Dupré, foi publicada na Revista Oresteia em outubro de 2024.. A referida publicação foi devidamente autorizada pela poeta em referência, e pelas editoras onde o poema havia sido editado, no Canadá e em França.
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                                 Louise Dupré

                 Exercícios de alegria (1ª Parte)

    Éditions du Noroit e Éditions Boucey (2022)

 

Os sonhos afogados

no fundo dos teus olhos

 

acabam por regressar à superfície

no sal das lágrimas

 

pequenos cadáveres

branqueados

pelos anos

 

que te despertam

à noite

 

quando pretendes dormir

profundamente

 

é demasiado tarde

para arrependimentos

 

demasiado tarde

para recuperar o tempo

perdido

 

as mulheres que habitaram

o teu nome

 

tu as abandonaste

uma após outra

 

com os seus vestidos

fora de moda

 

 

e eis-te agora

nua

frente ao espelho

 

 eis-te aqui rosto

vazio, navio

fantasma

 

cidade sem pátria

 

e escutas

tranquila

a música do mundo

 

deixando irromper

as imagens

que já não te magoam

 

procuras agora

exercer

a ternura

 

como uma disciplina

de combate

 

uma bondade para te moldares

a ti mesma

 

tu, a mendiga

de minúsculas alegrias

arrancadas ao desespero

 

dizes alegrias

porque não sabes

como nomear

 

 os instantes em que o teu coração

para de bater

dentro do teu peito

 

esses momentos de graça

 

em que uma carapaça te protege

dos gritos

que vais escutando

 

estão perto

estão por todo o lado

e todos os dias

 

esta angústia

impossível de aliviar

 

isso ensurdece-te

isso liquida-te

sem que desapareças

 

e tornas-te então numa morta-viva

 

forçada a peregrinar

no meio de um inferno

de transeuntes

 

mas sobreviver

não te satisfaz

 

tu preferes limpar

a fuligem

dos teus dedos

 

escrever pouco

escrever pobre

 

mas escrever

o que poderia irromper

 

no silêncio

da quietude

 

como se t’agarrasses

a uma boia

 

o tempo de recuperar

o fôlego

 

para vislumbrares a ondulação

finalmente calma

 

de te perguntares

o que poderá surgir

em ti

 

quando já não se tem

nem ambição nem orgulho

 

mas apenas um cenário

de cartão

com paredes esburacadas

 

que deixam ver

uma paisagem em ruínas

 

o que é que sobra

quando nada sobrar

 

salvo uma pequena claridade

que te convida a que a sigas

através da escuridão

 

e tu segue-la

como um caminho

à flor da pele

 

esperando

uma hospitalidade

 

apesar do teu corpo

esboroável

 

tu ainda consegues

respirar

 

ainda consegues revolver

o ar denso

das ruas

 

sem esperar

consolação

 

já não tens idade

para rosas nem pássaros

 

e não conseguirás

reparar a tua alma

 

nem a Terra

 

nem o céu

agora abandonado

 

admite-o

como uma evidência

 

desenhada

nas linhas

da tua mão

 

porque tu aprendes a ler

o que ninguém te quis

ensinar

 

como se abrem

as narinas

 

ante os perfumes de julho

 

és uma respigadeira

revolvendo

os caixotes de lixo

 

e reciclas

flores secas, bibelôs

ou poemas

 

mil vezes recitados

nas escolas

 

antes de serem condenados

ao esquecimento

 

é tão fácil apagar

o quadro negro

 

tão frágil, a memória

dos livros

 

que tentam resistir

a todo o tipo de poluição

 

tomas de empréstimo aos tempos

antigos

a voz dos enforcados

 

que imploram piedade

aos seus semelhantes

 

mas tu não acreditas

no teu próprio apelo

 

não acreditas

poder

abalar os muros

 

 erguidos nos quatro cantos

da humilhação

 

estão por toda a parte

e bem perto

 

 

como uma febre

sem cura

 

um ácido

que corrói a razão

 

enlouquecem-te

e tu sabes isso

 

mas preferes o teu tormento

à doença

dos corações empedernidos

 

tu dominas o teu delírio

e escreves

 

apesar do medo

que te cortem a mão

 

procuras sinónimos

atuais

para a palavra obrigado

 

e dizes compaixão

ou bondade

 

quando te ergues

contra a língua letal

que te impõem

 

está por toda a parte

 

 é a tenacidade e a astúcia

que pirateiam todos os dias

a mente

 

como uma rede

mal protegida

 

 

por vezes tu desejarias

a amnésia

 

mas escolhes

o sofrimento

 

em vez de renunciar

à agitação

do mundo

 

o poema ressuscita

das palavras

assassinadas

 

e planta cravos

no infortúnio

 

para o tornar

suportável

 

o poema é uma oração

secreta

 

uma noite que pretende

fazer ouvir

as óperas do passado

 

tu cantas desafinada

ora mal ora numa lástima

 

mas cantas

 

porque de nada te serve

choramingar

 

mesmo que este tempo se esteja

afundando no mar

 

como um paquete

esventrado

 

havia orquestras

capazes de acompanhar

o seu naufrágio

 

havia desesperos

que mantinham coragem

até ao fim

 

tu não pretendes morrer

antes da morte

 

e contas

pelos dedos

os anos que te restam

 

procurando

de que resistência

te podes reclamar

 

senão da vida

que pretendes fruir

até ao fim

 

e regressas

ao verbo querer

 

 

 

tu repete-lo

como se ele se pudesse apresentar

suficientemente benévolo

 

para apaziguar os teus choros

 

e sem esperares

o mínimo auxílio

 

ergues o olhar

para a esperança de um amanhecer

 

 

e acolhe-la

na palma da mão

 

                      Tradução de Victor Oliveira Mateus

 

Nota: As expressões em itálico referem-se ao poema “Balade des pendus” de François Villon..

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