terça-feira, 30 de abril de 2024

A Poesia de Marta López Vilar foi publicada na Revista Oresteia no dia 15/04/2024.
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EL CABALLO DE TURÍN

Después del abrazo ardieron los bosques.
Ningún pájaro veía, ni tan siquiera, su cielo calcinado.
Desde entonces, cada paso podía ser una fractura.
Caer. Dejar de oír los grillos, la carcoma.
Saber que ya no queda pan.

Y no decir. No decir que la ciudad tampoco existe.
Pero saberlo.
Cada día.

*-*

O CAVALO DE TURIM

Depois do abraço arderam os bosques.
Nenhum pássaro podia ver nem mesmo o seu céu calcinado.
Desde então, cada passo poderia ser uma fratura.
Cair. Deixar de ouvir os grilos, o caruncho.
Saber que já nem pão há.

E não dizer. Não dizer que a cidade tão-pouco existe.
Mas sabê-lo.
Todos os dias.

*-*-*-*

Fui la mujer escrita que esperaba en su cuerpo la noche.
Me recorría por dentro
un reino ya ausente que no conoció la lluvia.
Tocaba mi origen y cantaban las aves,
pero en qué lugar, si nadie me llamaba.

Una vez me cubrió el temblor,
me atravesó la sed,
un lenguaje-raíz que dijo las nubes sobre el agua.
Se abrió el mundo como una flor ciega,
pero era hermoso. Estigma en mi pecho y mis ojos.

Ahora miro mis manos y hay rastros de vida.
No sabría nombrarla,
pero arde.

*-*

Fui uma mulher feita de escrita que no seu corpo esperava a noite.
Percorria-me por dentro
um reino já ausente que nunca conhecera a chuva.
Eu tocava as minhas origens e as aves cantavam,
mas em que lugar, se ninguém me chamava.

Certa vez cobriu-me um tremor,
percorreu-me a sede,
uma linguagem-raiz que nomeou as nuvens sobre a água.
O mundo abriu-se como uma flor cega,
mas era formoso. Estigma em meu peito e em meus olhos.

Agora observo as minhas mãos e vejo rastros de vida.
Não saberia nomeá-la,
no entanto arde.

Tradução do espanhol de Victor Oliveira Mateus

*-*-*-*

BIOBIBLIOGRAFIA

Marta López Vilar (Madrid, 1978) es profesora en el departamento de Estudios Románicos, Franceses, Italianos y Traducción de la Universidad Complutense.

Ha publicado los libros de poesía: De sombras y sombreros olvidados (Amargord, 2007. Premio Blas de Otero de Poesía), La palabra esperada (Hiperión, 2007. Premio Arte Joven de Poesía de la Comunidad de Madrid), En las aguas de octubre (Bartleby, 2016) y El Gran Bosque (Pre-Textos, 2019. Premio Internacional de Poesía Margarita Hierro). Es autora de la edición de libros como (Tras)lúcidas. Poesía escrita por mujeres (1980-2016) (Bartleby, 2016), Soñar con Orfeo. La hermenéutica del silencio y la escritura en las Elegies de Bierville de Carles Riba (Trea, 2022) o Sobre mis propios pasos. Poesía Completa I, de Angelina Gatell ( Bartleby, 2023).

Ejerce, también, la crítica literaria.


 

terça-feira, 23 de abril de 2024


Para não se confundir a constituição republicana com a democrática (como costuma acontecer), é preciso observar-se o seguinte. As formas de um Estado (civitas) podem classificar-se segundo a diferença das pessoas que possuem o supremo poder do Estado, ou segundo o modo de governar o povo, seja quem for o seu governante; a primeira chama-se efectivamente a forma da soberania (forma imperis) e só há três formas possíveis, a saber, a soberania é possuída por um só, ou por alguns que entre si se religam, ou por todos conjuntamente, formando a sociedade civil (autocracia, aristocracia e democracia; o poder do príncipe, da nobreza e do povo). A segunda é a forma de governo (forma regiminis) e refere-se ao modo, baseado na constituição (no acto da vontade geral pela qual a massa se torna um povo), como o Estado faz uso da plenitude do seu poder: neste sentido, a constituição é ou republicana, ou despótica. O republicanismo é o princípio político da separação do poder executivo (governo)do legislativo; o despotismo é o princípio da execução arbitrária pelo Estado de leis que ele a si mesmo deu, por conseguinte, a vontade pública é manejada pelo governante como sua vontade privada. – Das três formas de Estado, a democracia é, no sentido próprio da palavra, necessariamente um despotismo, porque funda um poder executivo em que todos decidem sobre e, em todo o caso, também contra um (que, por conseguinte, não dá o seu consentimento), portanto, todos, sem no entanto serem todos, decidem – o que é uma contradição da vontade geral consigo mesma e com a liberdade.

    Toda a forma de governo que não seja representativa é, em termos estritos, uma não-forma, porque o legislador não pode ser ao mesmo tempo executor da sua vontade numa e mesma pessoa (como também a universal da premissa maior num silogismo não pode ser ao mesmo tempo a subsunção do particular na premissa menor); e, embora as duas outras constituições políticas sejam sempre defeituosas porque proporcionam espaço a um tal modo de governo, é nelas ao menos possível que adoptem um modo de governo conforme com o espírito de um sistema representativo como, por exemplo, Frederico II ao dizer que ele era simplesmente o primeiro servidor do Estado, ao passo que a constituição democrática torna isso impossível porque todos querem ser o soberano. – Pode, pois, dizer-se: quanto mais reduzido é o pessoal do poder estatal (o número de dirigentes), tanto maior é a representação dos mesmos, tanto mais a constituição política se harmoniza com a possibilidade do republicanismo e pode esperar que, por fim, a ele chegue mediante reformas graduais. Por tal razão, chegar a esta constituição plenamente jurídica é mais difícil na aristocracia do que na monarquia e é impossível na democracia, a não ser mediante uma revolução violenta. Mas ao povo interessa mais, sem comparação, o modo de governo do que a forma de Estado (embora tenha também muita importância a sua maior ou menor adequação àquele fim). Ao modo de governo que deve ser conforme à ideia de direito pertence o sistema representativo, o único em que é possível um modo de governo republicano e sem o qual todo o governo é despótico e violento (seja qual for a sua constituição). – Nenhuma das denominadas repúblicas antigas conheceu este sistema e tiveram de dissolver-se efectivamente no despotismo, que, sob o poder supremo de um só, é ainda o mais suportável de todos os despotismos.

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Immanuel Kant. A Paz Perpétua (Segunda secção, Segunda Parte do Primeiro Artigo), in “A Paz Perpétua e Outros Opúsculos”. Lisboa: Edições 70, 2008, pp 140-142


 

domingo, 21 de abril de 2024

A Poesia de Antonio Merola foi publicava na Revista Oresteia no dia 2024/04/09.
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Che cosa faremo quando finiranno i soldi
se da qualche parte ci aspetta un ponte
o forse una madre a indovinare la forza
per cercare ancora una parte nel branco: ma fare la spesa
ogni giorno era la prima soluzione contro l’assurdo
come accettare di avere scoperto il mostro
sotto il letto a sorridere nero come una parte della famiglia.
Ci eravamo lasciati alle spalle una mancanza
tra le stanze vuote: ricordo ancora la povertà della casa
quando non avevamo ancora la corrente, ogni bolletta
costava una madre o una schiena e minorava l’esistenza
come matricolare la vita giorno per giorno
o subire la tragica necessità del cibo:
avevamo così poca fame
che cercavamo da mangiare nella spazzatura.

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O que faremos quando se nos acabar o dinheiro
e se em qualquer parte nos esperar uma ponte
ou talvez uma mãe a improvisar força
para procurar ainda um lugar no rebanho: mas fazer compras
todos os dias era a primeira solução contra o absurdo
tal como aceitar ter descoberto um monstro
debaixo da cama com um esquálido sorriso como parte da família.
Tínhamos deixado para trás uma ausência
entre os quartos vazios: lembro a pobreza da casa
quando ainda não tínhamos luz, e cada fatura
custava duro trabalho a uma mãe, e minava a existência
era como gravar a vida dia após dia
ou sofrer a trágica necessidade do sustento:
tínhamos tão pouca fome
que até procurávamos de comer no lixo.

*****

C’era ancora la paura del ritorno:
chiedevamo l’unicità a qualcosa che non poteva ripetersi
una volta sola come tremare gli agguati degli uomini,
piangere l’inverno. Ci avrebbero di nuovo tagliato
la corrente, ci avrebbero di nuovo portato via
la mobilia della casa, finché non saremo piegati alle cose
gettate: allora facevamo la doccia fredda
fino a tracimare il gelo. Non ho mai saputo
meglio la fine: vorrei pagare il mese con le parole,
mangiare la carta – invece ho una fame vera
di trascrivere l’arcobaleno in bianco e nero,
alterare il diluvio: voglio alberare il cielo di caducifoglie.

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Havia ainda o medo do regresso:
invocávamos a singularidade de algo que não podia repetir-se
uma única vez como estremecer as traições dos homens,
chorar o inverno. Teríamos de novo a eletricidade
cortada, levar-nos-iam de novo
a mobília da casa, até não nos debruçarmos mais sobre as coisas
retiradas, agora tomávamos duches frios
até o próprio gelo transbordar. Nunca mais soube
o fim: queria pagar o mês com as palavras,
comer a carta – em vez disso tenho uma fome tremenda
de reproduzir o arco-íris a preto e branco,
alterando o dilúvio: quero arborizar o céu com árvores de folhas caducas.

Traduções para português de Victor Oliveira Mateus

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Antonio Merola, Roma 1994, ha pubblicato il saggio F. Scott Fitzgerald e l’Italia (Ladolfi, 2018). allora ho acceso la luce (Taut, 2023) è la sua prima raccolta di poesie. È stato tradotto in inglese, spagnolo e francese su «Caravansary – Revista Internacional de Poesía» e su «The Dreaming Machine».

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terça-feira, 9 de abril de 2024


Retivemos da paisagem o intenso
mistério da luz por entre as casas,
como se em cada casa batesse
um coração a par de outros corações,
ansiosos de caminhos livres.
Agora pertencem ao silêncio
mais nítido as canções, os gritos,
as lágrimas, os detalhes de uma festa
acontecida num dia com tantos dias dentro,
numa cidade habitada pelo país inteiro.
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  Graça Pires. Era madrugada em Lisboa - Louvor a um dia com tantos dias dentro. Lisboa, Poética Grupo Editorial,  2024, p 35.

 

sábado, 6 de abril de 2024



são arredios os momentos em que te encontro
os cílios das portadas impedem-me o absinto da timidez.
curvo-me sobre o jasmineiro com a grafia de um cisne
a sombrear uma jazida de água. o pórtico da cameleira
inverte o ondular dos passos pela casa. encontro-te
no degelo do assoalho no pêndulo do lampadário
que se funde. encontro-te a sós com as mãos a tactearem
alguém que se ilumina por detrás do escuro.
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  Miguel Alexandre Marquez. Miserere. Coimbra: do lado esquerdo, 2023, p 30.
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sexta-feira, 5 de abril de 2024


        Angélique Ionatos:
        "Hélios, Hymne au Soleil"
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Uma irreprimível lágrima cai quando a guitarra é desafinada,
as mãos esvoaçam nas cordas - não há rosas calmas.
A voz graceja um fenómeno de sangue.
Há um naufrágio que temos que enfrentar estoicamente.
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Ninguém acredita que os sons são feitos de sonhos,
e que o nevoeiro tem cheiro.
Há algo antigo nesta voz, uma sombra cigana,
um silêncio que se estende à espera da morte.
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Pouso as mãos nas cordas flutuantes,
as metáforas sabem a sacrifício quando são aclamadas,
aproximam-se da infância, trazem um incêndio na algibeira.
A canção é uma nudez vacilante -
solstício, raiz, derradeira embriaguez a medir a voz.
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  Luís Aguiar. Alfarrabista. Fafe: Editora Labirinto, 2023, p 13 (Menção Honrosa no Prémio de Poesia Victor Oliveira Mateus II Edição - 2021).
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