terça-feira, 27 de setembro de 2022

 O PEN Clube Português congratula-se por divulgar a lista dos finalistas dos Prémios PEN 2022 com o apoio da DGLAB.

Narrativa
Ana Margarida de Carvalho, Cartografias de Lugares mal Situados (10 Contos da Guerrra) (Relógio D’Água)
Djaimilia Pereira de Almeida, Maremoto (Relógio D’Água)
Mário Cláudio, Embora eu seja um velho errante (Dom Quixote)
Teolinda Gersão, O Regresso de Júlia Mann a Paraty (Porto Editora)
Teresa Noronha, Tornado (Exclamação)
Poesia
Daniel Jonas, Cães de Chuva (Assírio & Alvim)
Graça Pires, Antígona Passou Por Aqui (Poética Edições)
José Manuel de Vasconcelos, Os grandes lagos da noite (Húmus)
José Tolentino Mendonça, Introdução à Pintura Rupestre (Assírio & Alvim).
Luís Filipe Castro Mendes, Voltar (Assírio & Alvim)
Ensaio
Eduarda Neves, 35 Graus Celsius. ensaios sobre arte contemporânea (Palimpsesto)
Jorge Fazenda Lourenço, Jorge de Sena, 939 Randolph Road: Exílio, Erotismo, Escatologia (Documenta)
Manuel Frias Martins, A Lágrima de Ulisses. Regimes da Cultura Literária (Exclamação)
Maria Irene Ramalho, fernando pessoa e outros fingidores (Tinta da China)
Pedro Cabral, O Paradoxo do Cérebro. Memória. Autismo. Identidade (Temas e Debates, Círculo de Leitores)
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domingo, 18 de setembro de 2022


Hacía una tarde suave y húmeda que olía a hojas negras putrefactas y a humo de madera. Cuando bajaron del automóvil ante la verja de sua casa, el olor del cedro salió a recibirlos. Durando el trayecto apenas habían hablado, excepto cuando Laurie le indicaba el camino a Ralph.
Al salir de la iluminada sala les pareció que estaba ya muy oscuro (...). Por una gieta de las cortinas asomaba un resplandor de fuego. El cedro extendía sus largas manos oscuras en el gesto de un mago que incita al sueño.
- Así que esta es tu casa - dijo Ralph.
- Sí, hace cuatro horas que es mía... Parece distinta.
Ralph se quedó mirándola en silencio y posteriormente dijo en voz baja:
- No podía ser de otra manera.
Avanzaron juntos por el sendero sin hablar hasta que Ralph preguntó:
- Te la vas a quedar?
- Si puedo.
- Tienes que quedártela. Es una parte de ti. Venderla te traería mala suerte.
Laurie se volvió bajo las negras alas del cedro.
- Crees en la suerte?
- Soy marino - contestó Ralph.

Laurei supo que debía de haberse dormido porque el fuego se estaba apagando. Ya se habían adormilado en un par de ocasiones pero no durante mucho rato; abrían los ojos con la caída de las brasas y echaban a las últimas llamas un manojo de piñas o unas ramitas de abeto del montón. (...) Cada vez hacía más frío, pero todavía se estaba bien; tenía la sensación de que si no se movía, el tiempo también se detendría y no haría falta que existiera nada más que aquello.


  Mary Renault. El Auriga. Barcelona: Debolsillo, 2007, pp 398-399.
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quarta-feira, 14 de setembro de 2022

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(…) e, ao mesmo tempo, não será através do olhar que as palavras precedem as frases, pois jamais se viu alguém articular palavras antes de as organizar em frases, por mais incorretas e coxas que possam ser? Os gramáticos, que expõem doutrinalmente a ciência perfeita, ensinam primeiro o alfabeto, depois a morfologia, depois a sintaxe; mas esta ordem didática é uma ordem “de fabricação” que implica um longo trabalho anterior, e o que nesse trabalho de elaboração inventiva aparece como “elementar”, não é um átomo alfabético – fruto secundário de uma abstração, são “totalidades faladas”; a prova é que os “métodos diretos”, cujo objetivo é acelerar a aprendizagem das línguas vivas, esforçam-se por imitar a ordem viva e de criar o mais rapidamente possível essas totalidades faladas graças à manipulação simultânea de todos os seres gramaticais: substantivos, verbos, conjunções (…) porque nós não falamos apenas com adjetivos, nem apenas com preposições, os métodos visam dar-nos desde o princípio a totalidade da frase, e é posteriormente que a desdobram com uma precisão crescente. Notemos, aliás, que as letras e as sílabas têm apenas realidade “gráfica”; oralmente, quero dizer na vida da linguagem, não existem letras, nem sílabas, mas relações, movimentos intelectuais que visam exprimir-se; é que as palavras em-si  comportam algo mais do que uma realidade escrita ou visual; porque, na língua falada, as palavras empregues isoladamente são elas mesmas quase sempre preposições implicadas ou “gestos” verbais, quero dizer, ainda totalidades, mas totalidades nas quais a distinção mental do sujeito, da cópula e do predicado não se articulou em discurso: não assinalou Bergson nas palavras uma tendência natural para se anastomosar em frases? (Cf. “Matiére et mémoire”, p 124). Fragmentos da preposição que é, como observa Henri Delacroix (Cf. “Le langage et la pensée”, p 492), verdadeira unidade da linguagem, as palavras tornam-se átomos indiferentes e indeterminados; mas todas essas generalidades, se entrecruzam por um jogo de relações gramaticais, adquirindo um sentido preciso e particular. É porque o esforço intelectual vai do sentido para os signos, e não dos signos para o sentido: as nossas ideias só são suscetíveis de ser pensadas no interior de um contexto espiritual que as oriente.

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 Vladimir Jankélévitch. Henri Bergson. Paris: Presses Universitaires de France, 1959, pp 17-18 (Tradução de Victor Oliveira Mateus).

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terça-feira, 6 de setembro de 2022


Héracles de pé junto à janela olhando o escuro antes da madrugada.
Quando faziam amor
Gerião gostava de tocar em lenta sucessão cada um dos ossos das costas de Héracles
à medida que se dobravam para longe de si
até a um qualquer sonho obscuro, passando as mãos
desde o início do pescoço
até ao fim da coluna, causando-lhe arrepios como uma raíz à chuva.
Héracles faz
um som baixo e move a cabeça na almofada, abre lentamente os olhos.
Começa.
Gerião o que se passa? Fogo, detesto quando choras. O que foi?
Gerião pensa intensamente.
Amei-te um dia, agora não te conheço. Não o diz.
Estava a pensar no tempo - ele tacteia -
sabes, como as pessoas estão distantes no tempo juntas e distantes
ao mesmo tempo - pára.
Héracles limpa as lágrimas do rosto de Gerião
com a mão. Não podes apenas foder e não pensar? Héracles sai da cama
e entra na casa-de-banho.
Depois volta e fica de pé junto à janela um longo bocado. Quando regressa
para a cama já está a amanhecer.
Bem Gerião é só mais um sábado de manhã eu a rir e tu a chorar,
diz, enquanto se deita.
Gerião vê-o a puxar o cobertor até ao queixo. Como nos velhos tempos,
Como nos velhos tempos, diz igualmente Gerião.


  Anne Carson. Autobiografia do vermelho. S/c.: não (edições), 2020, pp 149-150 (Tradução de João Concha e Ricardo Marques).
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