domingo, 27 de junho de 2021

Outra versão do mesmo soneto.


                 XLIII


Como gosto de ti? Deixa contar
Os modos. Com a altura, a extensão,
E a largueza da alma, quando vão
Seus desejos o Bem a procurar.

Amo-te simplesmente, como o ar
Que respiras. Ao sol, na escuridão.
Com a audácia de um livre coração;
Co'o o pudor que a lisonja faz calar.

Amo-te co'o desejo, com a ânsia
Que na dor tive; com a fé da infância;
Com esse amor que sempre cri perder,

Perdendo os meus. Amo-te sempre: andando,
Chorando, rindo, lendo, respirando...
E hei-de amar-te melhor, quando morrer.


   Elizabeth Barrett Browning. Sonetos Portugueses. Lisboa: Relógio D'Água Editores, S/d., p 97 (Prefácio e Tradução de Manuel Corrêa de Barros).
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sábado, 26 de junho de 2021



 


                 XLIII


How do I love thee? Let me count the ways.
I love thee to the depth and breadth and height
My soul can reach, when feeling out of sight
For the ends of Being and ideal Grace.
I love thee to the level of everyday's
Most quiet need, by sun and candle-light.
I love thee freely, as men strive for Right;
I love thee purely, as they turn from Praise.
I love thee with the passion put to use
In my old griefs, and with my childhood's faith.
I love thee with a love I seemed to lose
With my lost saints, - I love thee with the breath,
Smiles, tears, of all my life! - and, if God choose,
I shall but love thee better after death.


 Elizabeth Barrett Browning. Sonnets from the Portuguese, A Celebration of Love. New York: St. Martin's Press, 1986, s/p.
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   Soneto 43 de Elizabeth Barrett Browning traduzido para português, variante do Brasil, por Manuel Bandeira:


Amo-te quando em largo, alto e profundo
Minh'alma alcança quando, transportada,
Sente, alongando os olhos deste mundo.
Os fins do Ser, a Graça entressonhada.

Amo-te em cada dia, hora e segundo:
À luz do sol, na noite sossegada.
E é tão pura a paixão de que me inundo
Quanto o pudor dos que não pedem nada.

Amo-te com o doer das velhas penas;
Com sorrisos, com lágrimas de prece,
E a fé da minha infância, ingénua e forte.

Amo-te até nas coisas mais pequenas.
Por toda a vida. E, assim Deus o quisesse,
Ainda mais te amarei depois da morte.
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sexta-feira, 25 de junho de 2021


     Mitologia galante


Pudesse eu ser um touro,
um touro belo, manso e branco,
que te levasse à certa; às montanhas brancas
de Creta, como uma cratera de Tarento,
um retrato de jovem de Rafael,
sobre a ilha hormonal de velha criança.

Salvar-te-ia (afinal, eu era filho de um deus),
dirias: "Estou apaixonada por um touro"
e seríamos cantados por poetas de Alexandria.
Neva. Todo o país é um gueto.

Deuses precisam por vezes de se sentir vivos.
A crise de meia-idade gera
incontinentes e continentes
e tu, matrona, com tuas colinas cansadas
olharás com acinte a ninfa: o teu espelho passado.
Aproxima-te. Eu sou um touro.
Eu sou um touro, belo, manso, branco.


   Daniel Jonas. Cães de chuva. Porto: Assírio & Alvim, 2021, p 112.
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quinta-feira, 24 de junho de 2021


       Ele teme não ter amor para o tanto que ama


O que te faço desta alegria com que te olho?
Perder-te seria inglório, cuidar-te parece pouco.
Que faço, o que te faço,
se ultrapasso o que me sinto,
da transfusão me transbordando,
e mais temo o fracasso
de não saber chamar o nome
ao que desamo de tanto amar?

Talvez que eu em mim já não exista...
Que vivas, provas que há vida
pra lá de mim;
porém não podes tu apenas ser quem sejas
e seres, resplendente,
a sombra de perdão.
O que fazer às coisas que eram antes...
Que te olho de lá de mim!

Que a alegria tomou conta das alegrias,
esboroou a crosta ao pão da noite
e deu a ver o miolo azul do dia
e um girassol de luz por entre as nuvens!
Que o pouco de mim que eu era
entornou-se e se fez grande
e a baleia quis pulmões no lento mar
pra respirar-se em se afundar de si...

Não sei o que me faça deste tanto que me apouca.
Que fazer? Que as montanhas são tão altas!
Como dançar com gigantes?
Que loucura de se ter!
Quando me esqueceres, por Deus, não me esqueças!
O espelho fez-me novo já tão velho...
Desliga a máquina a este sonho.
O meu coração mais puro do que eu!


  Daniel Jonas. Cães de chuva. Porto: Assírio & Alvim, 2021, pp 25-26.
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segunda-feira, 21 de junho de 2021


               Punto de Partida


En el pasado busco
       lo que desconozco,
lo que acaso fue mío y no lo supe,
lo que apenas termino de encontrar.

Busco
       al que pude haber sido,
al que no fui, a aquel
a quien yo más quería,
al que nunca he llamado por su nombre.

Trayecto imaginario:
pugna y decoro de la vanidad
que vuelve siempre al punto de partida.


  José Manuel Caballero Bonald. Quién sino tú (Antología 1952-2012). Madrid: Bartleby Editores, 2014, p 102.
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domingo, 20 de junho de 2021


               La otra cólera de Aquiles


No les pedí a los dioses más distancia
entre ellos y yo
que la del cuerpo de Patroclo
desposeído de su alma.

Y amé ese cuerpo tanto y tan
negándome a mí mesmo otro trofeo,
que le ofrecí la furia
del desertor mejor que la del héroe.

Sólo así pude disputarle
su botín a la muerte desde el mismo
aterrador orgasmo
del fuego al que se unció
en la pira: una última
retribución desesperada
de todo lo que ya
iba a ser subalterno para siempre.
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 José Manuel Caballero Bonald. Quién sino tú (Antología 1952-2012). Madrid: Bartleby Editores, 2014, p 80.
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sábado, 19 de junho de 2021



                       O cavalo e o cavaleiro

Era uma vez um cavalo, e sobre o cavalo um cavaleiro. Que elegantes
pareciam no sol do Outono, aproximando-se de uma estranha cidade!
As pessoas apinhavam-se nas ruas ou chamavam de altas janelas. As
velhas sentavam-se entre vasos de flores. Mas quem olhasse em volta
em busca de outro cavalo ou outro cavaleiro, olharia em vão. Meu ami-
go, disse o animal, porque não me abandonas? Sozinho, podes orientar-
-te por aqui. Mas abandonar-te, disse o outro, seria deixar para trás uma
parte de mim, e como posso fazê-lo se não sei que parte és?


 Louise Gluck. Noite Virtuosa e Fiel. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2021, p 111 (Tradução de Margarida Vale de Gato).
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sexta-feira, 18 de junho de 2021


               Teoria da Memória

Há muito, muito tempo, antes de ser artista com tormentos,
afligindo-me o desejo, mas incapaz de formar apegos dura-
douros, muito antes disso, eu era um glorioso governante
que unia todo um país dividido - foi o que me disse uma adi-
vinha que me leu a sina. Há grandes coisas, disse ela, à tua
frente, ou talvez atrás de ti: é difícil ter a certeza. E todavia,
acrescentou, que diferença faz? Neste preciso instante és 
uma criança de mão dada com uma adivinha que lê a sina.
Tudo o resto é hipótese e sonho.


   Gluck, Louise. Noite Virtuosa e Fiel. Lisboa: Relógio D' Água Editores, 2021, p 37 (Tradução de Margarida Vale de Gato).
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quinta-feira, 17 de junho de 2021


                      Encruzilhada


Corpo meu, agora que não viajaremos juntos por muito mais tempo,
começo a sentir por ti uma renovada ternura, muito crua e
desconhecida,
como aquilo que recordo do amor quando era jovem -

um amor que tantas vezes foi tolo nos seus objetivos,
mas nunca nas suas escolhas, nos seus ardores.
Demasiado exigido à partida, demasiado o que não pôde ser prometido -

A minha alma tem sido tão temerosa, tão violenta:
perdoa a sua brutalidade.
Como se fosse essa alma, a minha mão desliza cautelosa por ti,

não querendo ofender,
embora ansiosa, enfim, por conseguir expressar-se enquanto substância:

não é da Terra que irei sentir falta,
é de ti que irei sentir falta.


 Louise Gluck. Uma vida de Aldeia. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2021, p 137 (Tradução de Frederico Pedreira).
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segunda-feira, 14 de junho de 2021


         receita para um incêndio


senta-te logo de manhã
no banco do jardim
espera que as mimosas
te cubram d'amarelo os ombros


finge-te distraído
envolve-te com todo o sol
que consigas


escancara a porta da tua casa
para que a armadilha não falhe
abre igualmente as janelas
todas as janelas
e o coração sobretudo o coração


quando escutares uns passos decididos
e a presa entrar (por fim) em tua casa
unta-te com os mais finos óleos que encontrares
e incendeia-te
arde
como só as coisas raras o sabem fazer


   Victor Oliveira Mateus. uma casa no outro lado do mundo. Fafe: Editora Labirinto, 2021, p 46 (Posfácio de Fernando Pinto do Amaral).
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domingo, 13 de junho de 2021

      zenão de cítio


estimados caminhantes
que quereis vós desta casa
aqui nada há que vos possa interessar
o riso fácil
os transes de afrodite
os desmandos de dionysus
ou as conspirações da ágora


aqui só teríeis o rumor do vento
a limpidez dos regatos
a solidão das bétulas e dos cedros
a cadência do destino
e sobretudo
este silêncio
que levei décadas a construir


estimados caminhantes
passai de largo
preferi antes
quem convosco se harmonize


passai de largo
e
libertai-me a soleira
quer venhais por mal ou por bem
afastai-vos
não vá eu ter de vos soltar os cães


  Victor Oliveira Mateus. uma casa no outro lado do mundo. Fafe: Editora Labirinto, 2021, p 34 (Posfácio de Fernando Pinto do Amaral).
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sábado, 12 de junho de 2021

 
   a arte de mal cavalgar toda a cela


enganei-me
não era esta a rua que procurava
não era esta a cidade
nem sequer a porta


as figuras também não eram estas
as que eu procurava
não tinham assim os olhos
tão ávidos
tão cheios e tão secos ao mesmo tempo
tão esganados e dementes


não sei como vim aqui parar
aqui até os cães dançam
à volta de si próprios
e as árvores (envergonhadas)
lançam as raízes para fora da galáxia


enganei-me
aquilo que procurava
não tinha este bolor
esta pátina cheirando a vazio e uso
estas pústulas a torpedearem-me o caminho


vou-me embora
tanta felicidade não me faz bem ao coração
devolvam-me - por favor - a cela de onde vim


 Victor Oliveira Mateus. uma casa no outro lado do mundo, Fafe: Editora Labirinto, 2021, p 32 (Posfácio de Fernando Pinto do Amaral).
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