segunda-feira, 29 de março de 2021


Poema 13 do Ciclo "Prisma"

Chuva de Primavera, depois uma noite de Verão.
Uma voz de homem, depois uma voz de mulher.

Crescias, eras fulminada por um raio.
Quando abrias os olhos, estavas ligada para sempre ao teu verdadeiro amor.

Só aconticia uma vez. Depois tratavam de ti,
a tua história acabava.

Acontecia uma vez. Ser fulminada era como ser vacinada,
ficavas imune para o resto da vida, 
ficavas ao abrigo de tudo.

A menos que o choque não fosse suficientemente profundo.
Então não ficavas vacinada, mas viciada.


  Louise Gluck. Averno. Lisboa: Relógio D' Água Editores, 2020, pp 45-47 (Tradução de Inês Dias).
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sábado, 27 de março de 2021


         Canção de Embalar


Descansa agora. Foram
demasiadas emoções.

O crepúsculo, depois a noitinha. No quarto
cintilam pirilampos, aqui, acolá, aqui, acolá,
e a funda doçura do Verão entra pela janela aberta.

Não penses mais nestas coisas.
Ouve-me a respirar, ouve-te a respirar
como os pirilampos, cada pequeno sopro
é um clarão onde aparece o mundo.

Já cantei muito para ti na noite de Verão.
Hei-de conquistar-te, no final: o mundo não pode conceder-te
esta visão contínua.

Deves aprender a amar-me. Os humanos devem aprender a amar
o silêncio e o escuro.


   Louise Gluck. A Íris Selvagem. Lisboa: Relógio D' Água Editores, 2020, p 119 (Tradução de Ana Luísa Amaral).
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quinta-feira, 25 de março de 2021


                            Matinas


Perdoa-me se digo que te amo: aos poderosos
mente-se sempre, já que os fracos são sempre
impelidos pelo pânico. Não posso amar
o que não consigo conceber, e tu não revelas
quase nada: serás como o espinheiro,
sempre o mesmo no mesmo lugar,
ou serás como a incoerente dedaleira, que primeiro floresce
feito espinho rosado nesse declive junto das margaridas,
e no ano seguinte é cor de violeta por entre o roseiral? Entende
como nos é inútil este silêncio que em nós convida à crença
de que podes ser tudo, dedaleira e espinheiro,
a rosa vulnerável e a tenaz margarida - só nos resta pensar
que nunca poderias existir. É isto
que queres que nós pensemos, isto explica
o silêncio da manhã,
os grilos cujas asas ainda não se roçam, os gatos
que no pátio não combatem?


  Louise Gluck. A Íris Selvagem. Lisboa: Relógio D' Água Editores, 2020, p 31 (Tradução de Ana Luísa Amaral).
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sábado, 20 de março de 2021


 Seminário Web sobre a obra de Ana Maria Rodas, dia 24 de março (quarta-feira) 17:00H (hora da Guatemala). Palestrantes indicados no cartaz. A autora lerá poemas seus.

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terça-feira, 16 de março de 2021


                     Aprendizado
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Perguntei a meu pai enquanto caminhávamos:
- Pai, o que é a vida?
Meu pai ia com um facão numa das mãos, e dava golpes certeiros no capinzal, abrindo passagem. Eu ia atrás dele, admirado, observando como, num passe de mágica, o mundo se abria às minhas retinas ainda sem muito traquejo para ver o mundo. Ele suava. Eu suava. O braço de meu pai era incansável. Ele tinha afiado o facão na véspera, de modo que a lâmina não falhava diante do mato alto. O caminho se criava à nossa frente e eu estava cada vez mais espantado.
- A vida, filho - respondeu ele -, a vida é uma coisa que nunca é do jeito que a gente quer.
E continuou abrindo caminho a golpes de facão. Seguimos avançando.
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  Mário Baggio. verás que tudo é mentira. Cachoeira do Sul: Editora Coralina, 2020, pp 15-16.
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domingo, 14 de março de 2021


Amor
    

     A mensagem que ela mandou não poderia ser mais clara: "Não quero. Não insista. Me esqueça."
   Ele leu e desligou o celular. Buscou no armário uma mala pequena onde coubesse o necessário. Percorreu metade do mundo. Viu as novidades, experimentou comidas, descobriu cores, admirou luares e constelações, conheceu pessoas, estudou culturas, aprendeu idiomas, cantou canções e dançou danças, calçou sandálias e andou descalço, bebeu água de mares desconhecidos e quase morreu de sede, recuperou a risada amortecida, comprou casa.
    Ali, na casa, deitado na rede e olhando o céu, ligou o celular e respondeu: "Como se eu pudesse!"
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 Mário Baggio. espantos para uso diário. Cachoeira do Sul: Editora Coralina, 2019, p 79.
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sábado, 13 de março de 2021


 A FILGUA 2021, Feria Internacional del Libro en Guatemala, este ano por zoom devido à pandemia, terá um momento importante dedicado à Ministra da Cultura da Guatemala, e grande poeta, Ana Maria Rodas, momento esse em que participarei lendo e analisando o que desta autora já traduzi.

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sexta-feira, 12 de março de 2021


 O Ronda Leiria Poetry Festival decorrerá de 12 a 21 deste mês. A leitura de poemas, atividade em que também colaboro, irá ocorrendo ao longo do Festival. Parabéns à Organização do evento e a todos os outros autores intervenientes.

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terça-feira, 9 de março de 2021


 Realizam-se este ano as eleições para os Corpos Sociais de PEN Clube Português. Eis a lista que se apresenta às ditas eleições:
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Mesa da Assembleia Geral
Presidente - Teresa Martins Marques
1ª Secretária - Rita Mornoto
2ª Secretária - Teresa Sousa de Almeida.
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Direção
Presidente - Fernanda Mota Alves
Tesoureiro - José Mário Leite
Secretária - Maria João Cantinho
Vogal - Alcinda Pinheiro
Vogal - Elisabete M. de Sousa
Suplente - Fernanda Gil Costa
Suplente - João Rasteiro.
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Conselho Fiscal
Presidente - Victor Oliveira Mateus
Vogal - Rodolfo Begonha
Vogal - Filipa Vera Jardim
Suplente - Teresa Carvalho
Suplente - Sérgio Guimarães de Sousa.
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domingo, 7 de março de 2021


                124


Não me tragou o fogo

nem o furor das águas.


Tudo estava perdido

escrito, resolvido.

Estávamos dentro

da boca da fera.

O pássaro caído

no logro bem armado,

de súbito, vou.


Eras tu que passavas. Eras tu.


Mário Castrim. Do Livro dos Salmos. Alfragide, Editorial Caminho, 2020, pp 90-91.

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sexta-feira, 5 de março de 2021

       70


Vem depressa. Depressa.

Se queres ajudar-me

mas se tu queres mesmo

vem depressa.



Repara quando passo:

Ah, ah! - pois não os ouves?



Estou cada vez mais pobre

e miserável.



Se és quem dizem quem és, não tardes mais.



  Mário Castrim. Do Livro dos Salmos. Alfragide: Editorial Caminho, 2020, p 49.

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segunda-feira, 1 de março de 2021


 

        A Voz Humana


Vêm tempos difíceis.

No teu lugar não saberia que sentido


dar à impressão localizada dos passos

no rapto aos dias tensos, sucessivos.


A turbulência é garantida.

Aventura-te além das fábulas,


além da oculta mecânica

que move as cenas conhecidas,


a respiração levemente alterada,

ouvindo o bater do sangue


nas têmporas, vulnerável ao sono

e à luz súbita onde assoma


o fantasma de antigos erros, afinado

com a chave que une os pentagramas.


Que tonalidade imprimir, perguntas,

às palavras gravadas em minúsculas


pastilhas de sillício? A tua voz

humana   há-de ouvir-se pulsar,


quem sabe, daqui a milhares

de anos, entre as galáxias.



    Paulo Teixeira. a comoção do mundo. Alfragide: Editorial Caminho, 2020, p 86.

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