quinta-feira, 25 de março de 2021


                            Matinas


Perdoa-me se digo que te amo: aos poderosos
mente-se sempre, já que os fracos são sempre
impelidos pelo pânico. Não posso amar
o que não consigo conceber, e tu não revelas
quase nada: serás como o espinheiro,
sempre o mesmo no mesmo lugar,
ou serás como a incoerente dedaleira, que primeiro floresce
feito espinho rosado nesse declive junto das margaridas,
e no ano seguinte é cor de violeta por entre o roseiral? Entende
como nos é inútil este silêncio que em nós convida à crença
de que podes ser tudo, dedaleira e espinheiro,
a rosa vulnerável e a tenaz margarida - só nos resta pensar
que nunca poderias existir. É isto
que queres que nós pensemos, isto explica
o silêncio da manhã,
os grilos cujas asas ainda não se roçam, os gatos
que no pátio não combatem?


  Louise Gluck. A Íris Selvagem. Lisboa: Relógio D' Água Editores, 2020, p 31 (Tradução de Ana Luísa Amaral).
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