sexta-feira, 6 de julho de 2018


Achavam que o melhor que se poderia dizer da irmã seria que, aos vinte e três anos, ela havia desprezado o namorado para se juntar com um tipo bastante mais velho, divorciado e com três filhos, que por sua vez tinha abandonado de todo a mulher e os filhos para se juntar com ela. Haveria história mais vulgar na vida de uma jovem mulher? Tão vulgar que em privado sempre se dissera que Charlote e o sedutor se tinham juntado, de jungere, verbo físico, tão físico que ia para lá da fisicalidade, pois chegava a jungir os bois. Charlote jungira-se como os bois, diziam eles. Depois disso, Charlote e o divorciado tinham vivido durante dois anos uma paixão ardente. Entre os irmãos também se dizia ardente, sabendo que arder lembra calor, intensidade e chama, ao mesmo tempo que, inevitavelmente, invoca cinza. Pois passados dois anos, segundo eles, a vida de Charlote dera nisso mesmo, cinza. Ela e o amante dela, o homem divorciado, que eles próprios haviam recebido em casa por respeito à irmã, afinal tinham-se separado e a causa estaria à vista, tinha sido o destino dos objectos consumidos pelo fogo, a cinza. A irmã tinha voltado para casa, amachucada, na banalidade dos separados depois de jungidos. Voltara contando um episódio ocorrido numa estrada secundária entre um Fiat e um Jaguar, uma história com demasiadas histórias próprias dos jungidos, pensavam os irmãos, e o pai também. (...)
(...) Vulgaridade das vulgaridades, era a vida de Charlote, aquela que prometera um voo e oferecia a queda. Pois a sua história, comum aos filmes que passam a desoras, e às páginas dos jornais sobre casos de acasalamento, havia tido um continuado. Charlote casara com Francisco Andreu, se bem que Charlote, segundo palavras do irmão Sílvio, pouco tempo depois do casamento, tivesse enroscado dois chifres na cabeça do Andreu. A irmã, com desenvoltura simplória, fora dormir com o divorciado que interpretara a cena na estrada secundária, tendo engendrado um filho dele, e não do marido. A princípio o caso ficara em suspenso. Mas depois tinham feito a prova do ADN e, naturalmente, Francisco Andreu defendera a sua honra, dissera tchau, tchau, Charlote, e abalara porta fora. Segundo eles, essa era a razão por que Charlote vivia sozinha com o filho...
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  Jorge, Lídia. Estuário. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2018, pp 50-52.
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