quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

AVISO:
o poema que se segue inclui palavrões.
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Nota:
. Pero Garcia Burgalês é um poeta trovador nascido em Burgos (Espanha), frequentou a corte de Afonso X de Castela e Leão e pensa-se que tenha frequentado a corte de Afonso III de Portugal.
Às cantigas de amor trouxe grandes inovações temáticas, pelo que é tido como um dos mais importantes poetas da escola galego-portuguesa. As suas sátiras são notáveis, quer pelas originalidades literárias, quer pela força com que critica os objetos ou as pessoas visados. A Cantiga aqui transcrita segue a grafia atualizada.
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Maria Negra é bem desventurada.
Porque anda tantas piças a comprar
se, nas suas mãos, de tanto as usar,
elas lhe morrem, triste malfadada?
A um caralho grande que comprou,
ontem, ao serão, logo o esfolou
e tem outra piça já amormada.

Ei-la à pobreza, de novo, voltada,
por comprar piças. Vede a desventura:
pissa que ela compre, pouco lhe dura,
depois que a mete na sua pousada.
Acontece-lhe ela morrer, então,
ou de tumores ou de torcilhão,
ou, portanto uso, ficar estragada.

É muita desventura, desgraçada
tantas piças por ano assim perder.
Compra-as caras e vão-se desfazer.
A culpa disso é da casa molhada
onde ela as mete, uma estrebaria.
Quando lhe morrem, a velha sandia
por piças berra, na terra deitada.
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 Burgalês, Pero Garcia. Cantigas obscenas, de escárnio e maldizer. Lisboa: notícias editorial, 2004, pp 104-105 (Coordenação de Orlando Neves).
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