segunda-feira, 22 de abril de 2019


                   Pesadêlo na Casa-Grande

                                  Para Victor Oliveira Mateus

O polimento dos metais antigos,
as velhas facas de prata dos faqueiros encardidos,
as taças de cristal em que os amantes brindaram ao amor,
os copos de vinho tinto que derramaram na toalha de linho,
todas as nódoas, os pecados, as alfombras, os timbres, os selos,
as cartas que viajaram a saudade de outro continente, os ausentes,
os mortos que cavaram a sua própria sepultura nas revoluções,
a valsa dançada enquanto o vento varria as campinas,
os corredores da casa assombrada pelos retratos dos antepassados,
as fímbrias dos vestidos das baronesas tristes e abandonadas,
o grito do escravo lutando pela sua liberdade -
e somos todos feitos assim desses sonhos do passado,
e andamos muitas vezes perdidos pelos quartos e salas
à espera que um mordomo (ou um assassino)
nos mostre a lâmina que resolverá nosso destino.
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 Degrazia, José Eduardo. A Nitidez das Coisas. Porto Alegre: Artes & Ecos, 2018, p 83.
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