terça-feira, 5 de novembro de 2019

                      
                          Comunhão 


Todos os dias um torno de ferro
detém-me à entrada do ginásio.
O vidro insonorizado faz do local um escaparate.
Do lado de cá observo um homem loiro, barbeado,
com corte militar e camiseta verde sem mangas.
Ostenta uma vaidade sofisticada na franja
e as calças largas, deixam adivinhar-lhe os pêlos aloirados do púbis.
O rapaz dá um sorvo no seu batido de proteínas
e coloca sobre os ombros todo o peso que a masculinidade lhe exige.

Gostaria de saber em que está pensando
enquanto dobra os joelhos teatralmente.
Quantas vezes contará até dez.
Se lhe doem os braços, as costas.
Quem é a mulher que o espera em casa.

O rapaz loiro levanta o rosto, extenuado.
Excita-me o suor da sua barba,
a normalidade com que as gotas humedecem a toalha.
Imagino-me a atravessar a vidraça que nos separa.
Abro a boca debaixo da sua barba, tiro a língua para fora
tal como um menino ajoelhado frente a um altar.
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  Néstore, Ángelo. Actos Impuros. Madrid: Ediciones Hiperión, 2017, p 18 (Tradução de Victor Oliveira Mateus).
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