terça-feira, 24 de dezembro de 2019


lembras-te? eu chovi o profundo sangue até à flor da pedra e tudo
secou por sobre a mesa aberta e nua e nem um sismo
breve e só de eu haver florido me amanheceu - oculto
Job abismado e estreito sob os bordados luz dos cimos da Hora.
riram canções de roda a levedar a dor e eu silêncio e chão,
lembras-te?
.

lembro-me, paramentado já da terra longa perscrutei a estrada
na pele, na pedra, na ossatura da voz, na paciência sã do porejar
da rosa
pétala a pétala e icei-me - cão lazarento no desespero último
da vindima do amor - cravei os dentes nos tornozelos
do vento: pungente exumação, despertar silencioso, lento
rasgar do insaciável ventre do unânime e tirânico lodo. Tu
lembras-te? lembro-me do sangue à flor da estrada
aberta e nua e enlameada de eu chover todo e pobre ______
.

mas uma gota houve dissonante e sem nome, tão simples - perfeita
manhã de adeus; pirâmide de todas as lágrimas - rigorosa e
lúcida a irrigar
os sulcos das minhas mãos vazias onde me reouve de
sórdida sombra.
.

e eis que regressas vaidoso verão pejado do âmbar dúctil
e laudatórios sins
e tudo seca - iteração acerba - por sobre a mesa verde e aberta
de bordados luz atoalhada; regressas insaciável, tirânico e unânime
a alvorar
galopes, sono e sol e és poder e impotência só       extinção
e chama fulminante: farisaica boca a devorar o breve sismo do meu
brotar
do latente imo da pedra rumo à noite em branco do silêncio.
.
.
.
  Rocha, José Rui Rocha. O Livro Breve da Pedra Errante. Fafe: Editora Labirinto (Coleção contramaré Nº 27), 2019, pp 16-17.
.
.
.