terça-feira, 21 de abril de 2020


- E aí?
- Estou mais interessada no que ele tem a dizer sobre a Sicília do que no que ele sabe de pesquisas sobre câncer.
- Vocês vão se encontrar de novo?
- Acho que não. Passei três horas com ele hoje. É suficiente. Pamela pediu que eu o encontrasse, e foi o que fiz.
   Maud quer dispensá-lo. Porque tem medo dele. Tem medo porque está atraída. Síndrome clássica.
- Mas vocês dois estavam se divertindo esta noite.- Ah, ele é uma graça. Mas bebe... você precisava ter visto no almoço.
   Eu o vi no almoço!
   Maud parece muito indiferente e imprecisa, demonstrando um leve ar de cansaço, que é como evita os assuntos que não quer debater. O cansaço é sempre um bom disfarce para ela, como a histeria para Tamar. Ela está se esquivando, porque sabe que estou cutucando.
   Mas, jogada no banco, Maud parece mesmo cansada. A aparência ousada e perigosa de quando ela usa batom escuro desapareceu de seu rosto.
(...)
. Mas você gosta dele?
- Gosto.
Absorvo a resposta, reflito, não digo nada de início.
- Por um instante achei que havia alguma coisa?
- Entre nós dois, você quer dizer?
- Ah, não sei, talvez.
- Seria engraçado. Nunca passou pela minha cabeça, e posso garantir que também não passou pela dele.
- Por que engraçado?
- Por quê? Eu poderia pensar uma centena de motivos.
- Diga um.
- Quer dizer que você não percebeu? (...) Por que acha que ele perguntou se estamos apaixonados?- Indaga Maud.
- Por quê? Porque bebeu demais? Porque estava interessado em você?
- Não, querido. Em você.
Tento parecer perplexo. Mas sei que ela percebe.
- Então, alguma novidade?- pergunto.
- Nenhuma, acho.
   E de repente sei que estou dizendo alguma coisa, não só sobre Gabi, ou sobre os homens, mas sobre mim.
(...)
Não precisamos dizer mais nada, mas sei que neste momento, no táxi, de nós dois, fui eu, não ela, que atravessou para o outro lado.
- Vou perder você? - pergunta ela, então faz uma pausa, como quem se pergunta se eu não estou mais prestando atenção. - Porque não quero perder você.
   Não digo nada, Mas não sei se o que estou prestes a dizer é a verdade.
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 Aciman, André. Variações Enigma. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2018, pp 150-155.
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