quarta-feira, 12 de agosto de 2020

(...) vi reaparecer um Conrad envergando um elegante uniforme que deveria ter custado um dos últimos diamantes da tia (...). Conservava uma inocência de criança, uma doçura de rapariga, e aquela valentia de sonâmbulo com que outrora trepava para o dorso de um touro ou duma vaca (...). Logo à primeira vista, reconheci que a sua vida tinha parado na minha ausência; custou-me mais ter de admitir, a despeito das aparências, que o mesmo se passava comigo. Longe de Conrad eu vivera como em viagem. Tudo nele me inspirava uma confiança que de futuro nunca me seria possível depositar noutra pessoa. A seu lado, o espírito e o corpo não podiam deixar de estar em repouso, tranquilizados por tanta simplicidade e franqueza, e por isso mesmo livres para se ocuparem do resto com o máximo de eficácia. Era o ideal companheiro de guerra, assim como tinha sido o ideal companheiro de infância. A amizade é, acima de tudo, certeza - é isso o que a distingue do amor. É também respeito, e aceitação total dum outro ser. 
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  Yourcenar, Marguerite. O Golpe de Misericórdia. Lisboa: Editora Arcádia, 1978, pp 40-41.
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