segunda-feira, 18 de dezembro de 2023


A poeta canadiana (do Quebec) Denise Desautels, vencedora do Prémio Apollinaire de 2022, considerado em França como o Goncourt da Poesia, foi publicada - em Francês e Português - no Nº 11 da Revista Oresteia, revista que continua grata a todos estes autores pela sua amizade e pela solidariedade com o projeto. 
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il neige – inventaire des absences

parfois c’est doux
parfois on mentionne ce fait c’est doux à celle qui est là

on insiste rapelle-toi
Un ciel três noir ou bien il neige

il paraît que c’est moi moi murmure-t-elle
ma peur par bonds face à cette constellation de fosses
une syllabe, puis d’autres manquaient
ma peur – vigile tonnant – je t’ai réveillée

proie accrochée à ton dos
mais pas comme d’habitude la nuit

plus vide qu’hier sans souillure jusqu’en bas blanche
mémoire on pense poing
et ombre dans cervelle lisse.

hier tu as dit quelque chose
il neige – c’est si complique
sentence
ou huis clos
tu as peut-être prononsé incendie
je ne me souviens plus de la suite
c’est fou j ene crois pas avoir articule sauve-moi

sauve-moi quand il n’y aura vraiment plus d’ étoiles
nous comme avant nos voix nocturnes
doigts ou bruits appuyés sur drap de chevet
de cêté – à qui
celle quie est là tâtonne quête
premiers plis de caresses
laisse sous-entendre suspicion

on dirait quelque errante
et mon caprice

interrompue par moindre mur ou pas
moi moi et tout le monde
ma phrase brisée ses flous falanges partout

plusiers
ce qu’il en reste
celle qui est là et l’autre – toi peut-être aussi – et moi moi
cercle sur cercle
solide chaos

il n’y a plus ni surface ni fond
et nos silhouettes se baignent blafardes
rien à signaler

-y suis-je encore sans suite
enfant perdue faille trou dans l’ archive

aujourd’hui
celle qui est là ne répond pas
la grille bée
moi moi et discret coeur claque
ne tire plus profit de rien

.du désert dans le dos l’odeur l’air l’âme
quoi que ce soit de risqué sous les yeux et dedans

tu as beau dire nuit jour
séparer dimanche et crepuscule
chaque seconde absente passe pensée poreuse
sans verrou sauve-moi derive
se dátache – tronc

celle qui est là moi moi de moins en moins
d’authentiques gerres reviennent
passé présent cognent poitrine et font pleurer

tu tentes l’impossible tu montres du doigt
toi ailleurs et tout le monde
réciproquement

ça crie sur écran
le ron noir de la bouche avale tout

parfois c’est loup
parfois celle qui va et vient égarée articule loup

absente comment vouloir autrement
thorax et ville vide – avant après –ma tête
traversée
ne traverse plus

tu penses un peu plus loin derrière store
refermée toi – un peut de mort définitive
c’est la nuit ciel et lame où
le chétif étonnement blesse

moi moi sans plus aucun détail souffre
ou faussement sommeil exemplaire

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neva – inventário de ausências

por vezes é agradável
por vezes referimos esse facto é agradável para aquela que lá está

insiste-se lembra-te
um céu muito escuro ou talvez neve

parece que sou eu eu murmura ela
o meu medo aos saltos face a esta constelação de covas
uma sílaba, mas depois faltavam outras
o meu medo – vigília ensurdecedora – eu despertei-te

presa agarrada às tuas costas
mas não como habitualmente a noite
mais vazia do que ontem sem mácula até ao seu fundo branco
memória pensamos murro
e sombra refletida na cabeça

ontem disseste qualquer coisa
neva – é tão complicada
a frase
ou o espaço fechado
talvez tenhas pronunciado incêndio
não recordo mais o que se seguiu
é estranho eu não creio ter dito salva-me

salva-me mesmo que verdadeiramente não existam mais estrelas
nós como outrora as nossas vozes noturnas
dedos ou ruídos apoiados na coberta da cama
de lado – para quem
aquela que está lá hesita procura
os primeiros sulcos das carícias
deixa subentender suspeição

dir-se-ia um qualquer caminhante
e a minha fantasia

interrompida por um pequeno muro ou não
eu eu e toda a gente
a minha frase quebrada as suas delicadas falanges por todo o lado

muitas
aquilo que dela subsiste
aquela que está lá e a outra – talvez tu também – e eu eu
círculo por cima de círculo
sólido caos

não há já superfície nem profundidade
e as nossas silhuetas sucumbem sem brilho
nada a assinalar

estarei eu mais uma vez sem saída
criança perdida falha espaço vazio num arquivo

hoje
aquela que lá está não responde
o portão escancarado

eu eu e o coração bate descompassado
de mais nada tira proveito

do deserto nas costas o odor o ar a alma
o que quer que seja de arriscado debaixo dos olhos e dentro

tu podes dizer noite dia
separar domingo e crepúsculo
cada segundo sonhador atravessa o pensamento poroso
sem ferrolho salva-me deriva
desprende-se – tronco

aquela que está lá eu eu cada vez menos
de autenticas guerras regressam
passado e presente batem no peito e fazem chorar

tu tentas o impossível tu apontas o dedo
tu algures e toda a gente
reciprocamente

tudo isso grita num ecrã
negro circulo de uma boca que tudo engole

por vezes é uma máscara
por vezes aquela que vai e vem extraviada articula máscara

ausente como pretender de outro modo
peito e cidade vazia – antes e depois – a minha cabeça
trespassada
nada mais trespassa

por detrás dos estores pensas um pouco mais ao longe
fechada em ti – um pouco da morte derradeira
é a noite céu e lâmina onde
uma abjeta surpresa magoa

eu eu sem nenhum outro pormenor sofro
ou falsamente num sono exemplar

Tradução a partir do francês de Victor Oliveira Mateus

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