sábado, 30 de dezembro de 2023


Marco fundamental na História da Filosofia Ocidental, Immanuel Kant
(1724-1804) continua ainda hoje a suscitar posições divergentes e
acaloradas quanto às diversas teorias que propôs, assim, podemos
encontrar entre os que o refutam, filósofos como Graham Harman, Ray
Brassier, Quentin Meillassoux e Iain Hamilton Grant: para estes autores
urge desmontar o Correlacionismo (de Kant e seus seguidores) e atribuir à
Subjetividade um estatuto idêntico ao de qualquer “outro” Objeto; mas
esta menorização da Subjetividade ou, até mesmo, a sua exclusão, pode
também ser encontrada em diversas vertentes da Arte, como por exemplo
no cinema, sobretudo em películas onde se vivenciam vários tipos de
desertificação e de extinção do Humano ou, também, na Poesia, nas
correntes estético-literárias que a reduzem a uma mera tecnicização do
código linguístico e, muitas vezes até, a um silabar desconexo. O
pensamento de Kant apresenta-se, pois, com uma função primordial: a
necessidade de clarificar uma certa visão do Homem e da Sociedade,
partindo do momento histórico-cultural que lhe é dado viver, momento
esse que se encontra marcado por uma diversidade de interpretações do
estatuto e do papel da razão, das quais passo a salientar: o racionalismo
dogmático, onde a razão faz alarde da sua autossuficiência à margem do
dado e da experiência; um tipo de positivismo onde o pensamento se
resume ao que é dado na experiência e que, por isso mesmo, acaba por
desembocar no ceticismo e, finalmente, em diversas formas de
irracionalismo que se baseiam no Sentimento ou na Mística; assinalemos
aqui que em 1765, já no 2º Período da sua obra, o Crítico, Kant ainda
publica o Sonhos de um Visionário Esclarecido com os Sonhos da
Metafísica, que não é mais do que uma sátira burlesca visando as visões
místicas e espiritistas do sueco Swedenborg (1688-1772), também em
1800, já no Período da Filosofia Transcendental, no Prefácio a uma obra
de Reinhold Bernhard Jachmann, Kant volta a insurgir-se contra a Mística
que pretende afirmar-se como experiência suprassensível. Para além
destas interpretações – tão distintas – do racional, convém acrescentar
igualmente um outro fator epocal: a afirmação que se vinha fazendo da
Física de Newton em detrimento da de Descartes, que aos poucos ia
soçobrando. Importa também acrescentar a importância que o Iluminismo
teve no ideário kantiano da Autonomia da Razão, veja-se, por exemplo,
um texto de 1784: “O Iluminismo é a saída do homem da sua menoridade
de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir
do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por
culpa própria se a sua causa não reside na falta de entendimento, mas na
falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo sem a orientação
de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de te servires do teu próprio
entendimento! Eis a palavra de ordem do Iluminismo.” (Kant, 2008, 9) Esta
rutura, esta ânsia de um Pensamento liberto daquilo que o antecedeu,
tem levado alguns autores a estabelecer um dado paralelismo, quanto a
este tópico, com Descartes; esse tangenciar de uma semelhança entre os
dois filósofos aparece mesmo num interessantíssimo ensaio de Vitorino
Nemésio (Cf. Era do Átomo Crise do Homem ).
A Filosofia irá apresentar-se a Kant segundo uma visão abrangente e
aglutinadora: ela será a relação de todos os conhecimentos aos fins
essenciais de Razão Humana, e é nesta perspetiva que ela terá por
finalidade responder às seguintes questões: a) que posso conhecer?; b)
que devo fazer?; c) que me é permitido esperar? À primeira questão
deverá responder a Metafísica, à segunda a Moral e à terceira a Religião.
As três perguntas referidas podem, contudo, ser incluídas numa quarta: o
que é o homem? Estamos aqui ante um projeto filosófico portentoso que
aborda as mais diversas vertentes do pensamento e da ação humanos e
que ainda hoje nos fala.
Os historiadores da Filosofia e os diversos comentadores estabelecem, na
obra kantiana, três períodos devidamente individuados: o primeiro
período, vulgarmente designado de pré-crítico, que vai até 1760; o
segundo período estende-se até 1781, data da 1ª edição da Crítica da
Razão Pura e, por fim, o 3º período de 1781 em diante, que é já o da
Filosofia Transcendental propriamente dita, período em que verão a luz
do dia obras fundamentais de Kant das quais destaco: Prolegómenos para
toda a Metafísica Futura que se apresenta como ciência (1783),
Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785), Crítica da Razão Pura
(2ª edição, 1787), Crítica da Razão Prática (1788), Crítica da Faculdade de
Julgar (1790), A Religião dentro dos limites da simples razão (1793), Para a
paz perpétua (1795).
Convém, no entanto, acrescentar no que diz respeito ao período pré-
crítico, que esta designação se se apresenta aceitável numa perspetiva
cronológica, já filosoficamente é passível de algumas reticências –
exemplo: na principal obra deste período, História Natural Universal e
Teoria dos Céus (1755), Kant, sob a influência de Newton, expõe a sua
visão de uma possível origem do sistema solar, antecipando assim – de
modo não aprofundado – a posição de Laplace, que em 1796 em
Exposição do Sistema do Mundo chegaria a uma hipótese semelhante à
kantiana relativamente à formação do sistema solar; Kant, logo no
prefácio desta sua obra, que em algumas das partes atinge uma
sublimidade miltoniana, à pergunta “como se formou o mundo?”
contrapõe uma outra: “Como se deve constituir um mundo?” (Cf. Prefácio
I), esta reformulação deixa antever uma obra já do segundo período
(Primeiros Princípios Metafísicos da Ciência da Natureza, 1786), onde o
filósofo afirma que a Física começa indiscutivelmente com a experiência,
mas não deriva desta no seu todo, por conseguinte, pretendo aqui dizer
que já no período pré-crítico se podem vislumbrar laivos do que irá ser
consubstanciado nos períodos subsequentes. Este primeiro período da
obra de Kant é, como se percebe, dominado por investigações ligadas às
Ciências Naturais, sobretudo à Física, no entanto, acrescento aqui um
escrito de 1759 (O Otimismo), para que possamos ver alguns elementos
que jogaram um certo papel na formação do pensamento kantiano. Em O
Otimismo Kant traz a terreiro alguns aspetos da filosofia de Voltaire,
sobretudo um poema que o filósofo francês havia escrito sobre o
terramoto de Lisboa de 1755 (Cf. Poème sur le Désastre de Lisbonne), Kant
resolve esta questão a favor de um otimismo radical, afirmando que o
mundo deve ser considerado na sua absoluta totalidade, ora, sendo assim,
Deus não teria podido escolher outro melhor. A leitura deste argumento,
dá-nos a ver, sem hesitação, as influências que Leibniz e Rousseau
tiveram, neste período, sobre o filósofo, e a força do segundo foi de tal
modo significativa, sobretudo após a leitura de Émile, ou de L’ Éducation,
que Kant costumava dizer que precisava de ler duas vezes os livros de
Rousseau: primeiro para apreciar o estilo e só depois para se inteirar do
assunto. Por tudo isto, decidi trazer aqui à colação este escrito de
somenos importância na globalidade da obra de kantiana. Aliás, e ainda
relativamente a este subtema, direi que Voltaire nunca conseguiu resolver
satisfatoriamente a problemática do Mal, ora atribuindo-lhe uma
causalidade natural, como no poema aqui referido, ora subordinando-o à
Vontade e à Deliberação dos Humanos e suas Instituições, tal como faz em
outra obra (Cf. Candide).
*
A questão que cedo Kant levantou – e que já referi acima na alínea a) do
primeiro parágrafo – foi a da fundamentação da Metafísica: “(…) a
questão: de se uma coisa como a metafísica é simplesmente possível. Se é
uma ciência, como se explica que ela não possa, como as outras ciências,
obter uma aprovação geral e duradoira? Se o não é, como se explica que
ela, no entanto, se vanglorie incessantemente… “(Kant, 2020, 12). Urge
aqui mencionar a importância que David Hume teve no cimentar da
viragem de Kant na direção da Filosofia Transcendental; foi tão acentuada
esta influência que Kant diz ter sido Hume que “o despertou do seu sono
dogmático” (referência às filosofias de Leibniz e de Christian Wolff). Para
Hume, o Homem jamais alcançaria a segurança de um saber autêntico,
quanto muito teria de ficar por um saber provável, e mesmo este
desapareceria caso ele se afastasse do domínio da experiência e se
aventurasse na senda da Metafísica. Na sequência do referido, Hume
acaba desacreditando o conceito de causalidade: a Razão humana não
pode dizer que a uma coisa sucede necessariamente outra, e se o faz tal
deve-se apenas ao mecanismo do hábito. É este ceticismo de Hume que
leva Kant a conduzir a Razão ao seu próprio tribunal, isto é, só a ela caberá
o reconhecimento dos seus próprios limites e será sobre esses mesmos
limites que ela fundamentará o valor do conhecimento. Vemos, pois, que
há aqui um afastamento radical de Hume onde a apreensão dos limites da
Razão conduzia necessariamente à impossibilidade do conhecimento, ao
ceticismo. Kant estabelece que, de facto, todo o conhecimento se inicia
com a experiência (e neste ponto concorda com Hume, Locke e Berkeley),
mas nem todo deriva dela, pois existem princípios a priori da Sensibilidade
e do Entendimento e esses princípios sendo anteriores à experiência e
elementos do seu condicionamento são chamados de puros. Eis o que
Kant escreve relativamente aos conceitos puros do Entendimento: “É aqui
o lugar de minar pela base a dúvida de Hume. Ele afirmava com razão que
de nenhum modo podíamos apreender pela razão a possibilidade da
causalidade, isto é, da relação da existência de uma coisa à existência de
qualquer outra, que é necessariamente posta pela primeira (…) Contudo,
estou muito longe de considerar estes conceitos como simplesmente
tirados da existência, e a necessidade que neles está representada como
uma ficção e uma simples aparência, resultado de um longo hábito; antes
pelo contrário, mostrei suficientemente que estes conceitos e os
princípios deles derivados são estabelecidos a priori antes de toda a
experiência, e têm uma exactidão objectiva indubitável, mas claro está,
apenas em relação à experiência.” (Kant, 2020, 86).
*
Numa perspetiva de continuidade que tenho imprimido a este artigo,
parece-me nítido que o essencial das inquietações kantianas se vai sempre
mantendo, e que apesar das adendas, das alterações, dos diversos jogos
de influências, etc., o que é visado pela obra deste filósofo – e que está
assinalado nas quatro questões referidas anteriormente – permanece
inalterado, contudo, a monumentalidade deste sistema não tem
conseguido ilibá-lo de críticas – quanto a mim injustas – , que estão para
além das de tipo gnosiológico, epistemológico e metafísico mencionadas
no primeiro parágrafo, como por exemplo as que se prendem com o estilo
da escrita de Kant e as de Bertrand Russell acusando o filósofo de ser
demasiado escolástico, mas como esses subtemas escapam ao intento
deste artigo, deixá-los-ei em aberto retomando o tema central que está
assinalado no meu título. Relativamente à questão de um certo
continuísmo sistemático, direi que em 1770 ( onze anos antes da 1ª edição
da Crítica da Razão Pura) , Kant escreve a dissertação De mundi sensibilis
atque intelligibilis forma et principiis, esta obra tinha por objetivo o seu
ingresso na carreira académica como professor titular, neste ensaio,
vulgarmente conhecido por Dissertação de 1770, Kant assinala já uma
visão crítica da questão do espaço e do tempo, e estabelece a distinção
entre conhecimento sensível e conhecimento intelectual; era a tese de que
o espaço e o tempo são intuições puras, que são realidades subjetivas que
antecedem a experiência. Na Dissertação de 1770, Kant aplica já a Análise
Transcendental à questão da Sensibilidade, mas não ao Entendimento.
Será no ano seguinte, em junho de 1771, que Kant escreverá a Marc Herz
dizendo que está a trabalhar numa obra que aborda os limites da
Sensibilidade e da Razão, bem como temas relacionados com a Metafísica,
a Moral e o Gosto (as três Críticas !) e acrescenta que tal obra verá a luz
do dia no prazo de três meses, ora, como sabemos, só dez anos depois
desta carta é que a Crítica da Razão Pura será publicada.
Na Crítica da Razão Pura podemos considerar três partes fundamentais: a
Estética Transcendental, a Analítica Transcendental e a Dialética
Transcendental, a estas três partes correspondem as três faculdades
assinaladas nos humanos: Sensibilidade, Entendimento e Razão. Na
Estética Transcendental estudar-se-ão as condições do conhecimento, que
fazem com que na Matemática existam juízos sintéticos a priori; a
Analítica Transcendental estudará as condições que presidem à existência
de juízos sintéticos a priori na Física; a Dialética Transcendental estudará a
Razão e, concomitantemente, a possibilidade da Metafísica poder ser
ciência, ou seja, dela poder formular juízos sintéticos a priori. Logo no
início da parte dedicada à Estética Transcendental Kant deixa claro: “A
capacidade de receber (recetividade) as representações dos objetos
segundo o modo que eles nos afetam, chama-se sensibilidade. É,
portanto, através da sensibilidade que os objetos nos são dados, e apenas
ela nos fornece as intuições; mas é através do entendimento que elas são
pensadas, e é através dele que surgem os conceitos. Todo o pensar deve
(…) relacionar-se com as intuições e, por consequência, com a
sensibilidade, já que nenhum objeto nos pode ser dado por outro meio.”
(Kant, 1976, 81). Convém, neste excerto, não confundir as intuições aqui
referidas, que são as empíricas, com as intuições puras do espaço e do
tempo que são a priori , logo, anteriores à experiência, já que é através
destas últimas que se faz a apreensão do fenómeno, mas jamais do
númeno , ou seja, da coisa-em-si, aquilo que os objetos são em-si mesmo
permanecerá sempre inapreensível, o que a nossa Sensibilidade capta
através do espaço e do tempo e depois “encaminha para” o Entendimento
é tão-só o fenómeno. Será (depois) função do Entendimento
compreender, através de conceitos, os elementos apreendidos pela
Sensibilidade.
“(…) 1º que os conceitos sejam puros e não empíricos; 2º que eles não
pertençam à intuição nem à sensibilidade, mas (apenas) ao pensamento e
ao entendimento (…) O entendimento puro não se distingue apenas de
todo o elemento empírico, mas também de toda a sensibilidade. Ele forma
uma unidade que existe em si própria, que se basta a si própria, e que não
pode ser aumentada através de um qualquer elemento que lhe seja
estranho.” (Kant, 1976, 121). Os conceitos puros do Entendimento aqui
referidos são condições transcendentais necessárias ao nosso
conhecimento dos fenómenos, isto é, o Entendimento não pode pensar os
fenómenos sem lhes aplicar as Categorias; estes conceitos puros do
Entendimento ou Categorias são vazios (em si), tal como o espaço e o
tempo se enchem com as impressões sensíveis, assim os conceitos puros
têm de se encher com os dados provenientes da Sensibilidade. As
(vulgarmente chamadas) Categorias elencadas por Kant são: 1º
Quantidade: Unidade, Pluralidade, Totalidade; 2º Qualidade: Realidade,
Negação, Limitação; 3º Relação: Substância e acidente, Causalidade e
Dependência (Efeito), Comunidade; 4º Modalidade: Possibilidade/
Impossibilidade, Existência/ Não-existência. Necessidade/ Contingência
(Kant 1976, 136/7).
Importa não perder de vista, chegados a este ponto, que Kant está
tentando dotar a Metafísica de uma cientificidade análoga à da
Matemática Pura e à da Física Pura, assim, distingue dois tipos de
conhecimento:
o conhecimento a priori : que é todo o conhecimento que não depende da
experiência;
o conhecimento a posteriori : é todo o conhecimento que depende da
experiência (convém aqui assinalar que estas designações não são usadas
no sentido temporal, mas no sentido da dependência (ou não) da
experiência:
o conhecimento a priori encontra-se associado à necessidade, enquanto o
a posteriori se liga à contingência. No final do séc. XX, o filósofo norte-
americano Saul Kripke (n. 1940/11/13) dir-nos-á que são possíveis:
conhecimentos a priori contingentes, bem como conhecimentos a
posteriori necessários, mas dado que a polémica ainda circula e escapa ao
intento deste artigo deixarei o tema em aberto.
Para Kant existem igualmente dois tipos de juízos :
O analítico : quando o Predicado não acrescenta coisa alguma ao Sujeito –
exemplo: “ círculo é uma forma geométrica redonda”.
O sintético : onde o Predicado acrescenta uma nova caraterística ao
Sujeito – exemplo: “A minha mesa é branca”: o conceito branca não
estava incluído no Sujeito, logo, é uma informação nova que se acrescenta
a esse mesmo Sujeito. Importa acrescentar que o que surge aqui
designado por juízo era o que na Lógica aristotélica surgia sob o nome de
proposição e obedecia às fórmulas: Todo S é P, Nenhum S é P, Algum S é
P, Algum S não é P: o conceito referido em S será o Sujeito, o referido em
P o Predicado e ambos se encontram aqui unidos por um é que funciona
como a cópula. Importa agora ver o que de “todo este material” garante
que uma dada área disciplinar possa ser justificada como científica e se
Metafísica cumpre esses critérios. Assim, podemos dizer que existem
quatro tipos de juízos :
o analítico a priori : que não depende da experiência e onde o P já está
contido no S;
o analítico a posteriori : depende da experiência, mas o P está (também)
contido no S. Para Kant este juízo é contraditório, pois se o juízo analítico
não acrescenta informação nova ao Sujeito, não faz sentido que o juízo
procure informação nova fora de si, visto que o P já está contido no S (Cf.
a polémica com Saul Kripke anteriormente referida);
o sintético a posteriori : depende da experiência e acrescenta algo ao S: a
maior parte dos conhecimentos científicos são baseados nestes juízos –
exemplos:
“As órbitas dos planetas do nosso sistema solar são elíticas”
“Vénus é um planeta com nuvens de dióxido de enxofre” ;
o sintético a priori : juízo que faz aumentar o conhecimento através de
juízos necessários, verdadeiros e que não dependem da experiência –
exemplo:
“Oito é cinco mais três” , o conceito de oito não contém o cinco nem o
três, que, por sua vez, são predicados que trazem algo de novo ao Sujeito.
Estes são juízos passíveis de ser encontrados na Matemática, na Física, na
Geometria e era este, portanto, o objetivo de Kant: procurar saber se a
Metafísica seria uma ciência e, ao mesmo tempo, procurar saber se ela
conseguiria formular juízos sintéticos a priori e, consequentemente, dar
respostas necessárias e verdadeiras acerca de assuntos como: a existência
de Deus, a existência da Alma (e sua imortalidade) como corolário do
conjunto dos fenómenos psíquico-subjetivos, A Liberdade das nossas
Escolhas, a existência de uma entidade designada por Mundo, aqui
também como corolário mas de todos os fenómenos naturais, etc.
Consegue a Metafísica responder de modo necessário e objetivo a essas
questões? Kant, na Dialética Transcendental, é perentório: não! Acresce
ainda, e como temos visto, o facto de não se poder conhecer o que não é
dado na experiencia (à Sensibilidade), nem o Entendimento poderia jamais
formular juízos apodíticos sobre tais temas. Mas, se a aplicação das
Categorias é impossível de fazer às entidades metafísicas, não nos
podemos esquecer que é tendência inevitável da Razão investigar o
ilimitado, daí que seja sua função estender-se para além da experiência; a
Razão tende a procurar juízos, leis, hipóteses cada vez mais gerais, ou seja,
tende naturalmente para o incondicionado, segue-se daí, que as Três
Ideias da Razão (Deus. Alma, Mundo), apesar de jamais dessas entidades
poder haver qualquer experiência ou conhecimento, elas impõem-se,
todavia, com necessidade, funcionam como horizonte unificador dos
fenómenos (respetivamente): teológicos, psíquicos, naturais, e aparecem
à Razão humana como a cúpula do sistema kantiano.
Esclarecimento: este artigo, apesar da preocupação de rigor que esteve
sempre presente na sua elaboração, deve ser entendido com a máxima
humildade e como uma mera introdução à Filosofia kantiana, uma
propedêutica. Inúmeras foram as áreas que nem sequer se afloraram aqui:
a Estética, a Moral, a Política, a Religião, etc. Kant é um filão inesgotável,
contudo, espero que esta primeira abordagem desperte o interesse
naquele que é uma das maiores figuras da Filosofia Ocidental e a quem
penso voltar em breve.

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Bibliografia

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Clavier, Paul, Gradus Philosophique. Paris: Garnier-Flammarion, 1994.
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Russell, Bertrand, Historia de la Filosofia Occidental Tomo II La Filosofia
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  Victor Oliveira Mateus (Ensaio publicado na Revista Oresteia a 4 de outubro de 2022 com o título: "Kant alguns tópicos: Período Pré-Crítico, Estética Transcendental, Analítica Transcendental, Dialética Transcendental, as Três Ideias da Razão: Deus, Alma, Mundo).


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